Discos eternos – Led Zeppelin IV (1971)

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RIO DE JANEIRO – Após algumas semanas ausentes, os “Discos Eternos” do blog voltam com mais um álbum fundamental da história da música: Led Zeppelin IV, também conhecido informalmente por Zoso, Four Symbols, Disco Sem Nome ou o Disco do Fazendeiro – até porque não havia explicitamente nada que remetesse ao Led na capa ou na contracapa – exceto no som forte, potente, poderoso, marca registrada da banda.

O disco é um divisor de águas entre o hard rock e o heavy metal. Na verdade, é uma fusão dos dois estilos, mesclando também folk music, uma pitadinha de pop, blues de raiz e psicodelia, num trabalho homogêneo como poucos gravados nos idos de 1971.

As duas primeiras músicas são grandes clássicos do Zep até hoje, com os vigorosos riffs de guitarra de Jimmy Page, o baixo marcadinho de John Paul Jones, os falsetes de Robert Plant e as pancadas de Bonzo na bateria. “Black Dog” e “Rock And Roll” são feitas para se ouvir no volume máximo – um contraponto tremendo com as músicas mais, digamos, cabeça, como “Going To California”, “Misty Mountain Hop” e especialmente “Stairway To Heaven”, a música que tanto Page quanto Plant renegaram nos anos que se seguiram ao fim do grupo – inclusive negando-se a tocá-la no último festival Hollywood Rock realizado em 1996, quando os dois vieram ao país na esteira do lançamento do disco Un-Led-Ed gravado pelos dois com farta percussão indiana.

O disco ainda tem excelentes músicas, feito “The Battle of Evermore”, relembrada no filme Singles (Vida de solteiro) pelo grupo Lovemongers, formado pelas integrantes do Heart, Ann e Nancy Wilson, fãs devotadas do Zeppelin. E também “When The Levee Breaks”, graças à intensa marcação de percussão de John Bonham, as linhas de guitarra de Jimmy Page e o vocal gritado de Robert Plant.

O Led estava pronto para deixar os estúdios e se tornar uma grande banda de “arena”, enchendo teatros e estádios grandiosos, arrastando multidões de fãs no mundo inteiro e impondo sua massa sonora de esporro nos palcos mundo afora. O rock and roll ainda não tinha sido tomado de assalto pela fúria do punk e o início dos anos 70 ainda vivia o fim do movimento hippie e os protestos dos pacifistas pelo fim da guerra do Vietnã. E o Zeppelin ainda voaria alto por muito tempo…

Ficha técnica de Led Zeppelin IV 
Selo: Atlantic/Warner Music
Gravado entre dezembro de 1970 e março de 1971, em Londres, Califórnia, Hampshire e no Rolling Stones Mobile Studio
Produzido por Jimmy Page
Tempo total: 42’38″

Músicas:

1. Black Dog (Jones/Page/Plant)
2. Rock And Roll (Bonham/Jones/Page/Plant)
3. The Battle of Evermore (Page/Plant)
4. Stairway to Heaven (Page/Plant)
5. Misty Mountain Hop (Jones/Page/Plant)
6. Four Sticks (Page/Plant)
7. Going to California (Page/Plant)
8. When the Levee Breaks (Memphis Minnie/Bonham/Jones/Page/Plant)

Discos eternos – Tim Maia (1970)

Capa Tim Maia 1970

RIO DE JANEIRO – Enquanto nos anos 60, a Jovem Guarda dava seus últimos suspiros e Roberto Carlos partia célere para assumir o posto de artista mais popular do país, um mulato gordinho, que passou parte da adolescência nos EUA tentava a sorte na música cantando em inglês. E principalmente, investindo num gênero que ainda não tinha espaço por aqui: a Soul Music.

O mulato gordinho em questão era Tim Maia, nascido e criado na Tijuca, amigo de Erasmo Carlos, com quem trocava cartas entusiasmadas quando esteve fora do país. Um assinava “Tim Jobim” e o outro devolvia como “Erasmo Gilberto”. Mas enquanto Erasmo virava o Tremendão e amigo-de-fé-irmão-camarada de Roberto, Tim passava o pão que o diabo amassou. Foi preso, deportado e passou fome e frio em São Paulo até conseguir a indicação de Roberto para gravar na CBS.

Sob a produção do exigente Evandro Ribeiro, Tim não conseguiu fazer suas músicas saírem como queria. Brigou com geral na gravadora e virou persona non grata. Na RGE, para onde iria por intermédio de Erasmo, tentar fazer um compacto e depois o primeiro – e sonhado – disco, aconteceu a mesma coisa e Tim, sabendo que sua hora tinha chegado na música brasileira, ficava para trás.

Foi aí que a sorte lhe sorriu: uma fita levada por Jairo Pires, que o conheceu na CBS como técnico de gravação e que estreava na Philips como produtor, estourou como uma bomba numa das reuniões mensais. Nela estava gravada a sensacional “Primavera”, de Sílvio Rochael e Cassiano. Naqueles idos anos, nada parecido se ouvira por aqui.

Quando o inverno chegar… eu quero estar junto a ti… pode o outono voltar… eu quero estar junto a ti… porque… é primavera… te amo… é primavera… te amo… meu amor…

Nelson Motta, que ouviu a fita entusiasmado, sentiu “cheiro de gol” e pediu que Tim aparecesse na Philips. Ele foi, e mostrou outras músicas. Uma delas, a bossa-nova “These Are The Songs”, saiu em compacto com Elis Regina e Tim, aprovadíssimo pelos Mutantes (que os conheciam do programa Quadrado & Redondo, apresentado por Débora Duarte e Sérgio Galvão na Bandeirantes) e também por Erasmo Carlos, que saía da RGE nessa mesma época e mudava para a gravadora dirigida por André Midani, foi contratado para fazer seu primeiro disco.

Movido a combustíveis alternativos, Tim varou noites no Estúdio Scatena em São Paulo, junto com Jairo Pires e Arnaldo Saccomani, para conseguir que os músicos fizessem o som que queria, e que os maestros Waltel Branco, Waldyr Arouca Barros e Cláudio Roditi transcrevessem os arranjos que o cantor lhes passavam “de boca”.

Com o auxílio luxuoso do conjunto vocal Os Diagonais (que tinha Cassiano, guitarrista-base das gravações, além de Camarão, Marcos e Fernando) e de músicos como o lendário baixista Capacete, Paulinho Batera, Zé Carlos, Guilherme, Garoto e Carlinhos, Tim foi o responsável por um dos maiores petardos musicais do país nos anos 70.

O disco abre com “Coroné Antônio Bento”, uma brincadeira de Camarão, um dos vocalistas dos Diagonais, que caiu no gosto de Tim imediatamente. Nascia uma fórmula que o cantor exploraria nos seus primeiros trabalhos: o baião-soul.

“Cristina”, escrita em parceria com Carlos Imperial, teria sido uma homenagem a uma bela morena chamada… Cristina e que, segundo a lenda, tinha um bumbum descomunal, que enlouquecia o cantor. ‘Vou ver Cristina…’, cantarolava com cara safada, seguindo o rebolado de sua musa. Mas há quem diga, como o biógrafo de Imperial, Denílson Monteiro, que ‘Vou ver Cristina…’ era uma senha para sair do apartamento do compositor e ‘apertar um baseado’. Imperial era avesso a tóxicos e Tim Maia não dispensava um bauretezinho.

O funk “Jurema”, a terceira faixa, é uma menção à famosa entidade Cabocla Jurema, saudada como Joo-rey-mah Queen of The Jungle. Curtinha, mas muito bacana – tanto quanto “Padre Cícero”, uma das melhores do disco e cuja métrica Tim aproveitou para transformar a canção em “João Coragem”, tema do personagem homônimo da novela Irmãos Coragem, grande sucesso da televisão brasileira naquele ano.

Tim ainda gravou uma bonita canção de Natal – “Risos” (de Fábio e Paulo Imperial), “Eu Amo Você”, outra lindíssima composição de Cassiano e Sílvio Rochael, além da belíssima balada “Azul da Cor do Mar”, que teve como inspiração as inúmeras desilusões que o cantor, auto-intitulado preto, gordo e cafajeste, sofria com as meninas que iam para o apartamento onde morava, na Rua Real Grandeza, 171, em Botafogo, para ficar com o cantor Fábio e seu empresário, Glauco.

Com raiva e sentimento, Tim ligava o gravador e, acompanhado do violão, mandava ver.

Ah… se o mundo inteiro me pudesse ouvir… tenho tanto pra contar… dizer que aprendi… que na vida a gente tem que entender… que um nasce pra sofrer… enquanto o outro ri… mas quem sofre sempre tem que procurar… pelo menos vir achar… razão para viver… ter na vida um motivo pra sonhar… ter um sonho todo azul… azul da cor do mar…

Nascia assim o mestre da “cornitude” e Tim Maia começava, com este primeiro e fantástico disco, sua trajetória polêmica e ao mesmo tempo brilhante dentro do cenário musical brasileiro.

Ficha Técnica de Tim Maia
Selo: Polydor/Universal Music
Produção: Jairo Pires e Arnaldo Saccomani
Gravado nos Estúdios Scatena, em São Paulo, e no Cineac-Trianon, no Rio de Janeiro, em 1970
Tempo total de produção: 40’55″

Músicas:

1. Coroné Antônio Bento (Luiz Wanderley/João do Vale)
2. Cristina (Tim Maia/Carlos Imperial)
3. Jurema (Tim Maia)
4. Padre Cícero (Cassiano/Tim Maia)
5. Flamengo (Tim Maia)
6. Você Fingiu (Cassiano)
7. Eu Amo Você (Sílvio Rochael/Cassiano)
8. Primavera (Vai Chuva) (Sílvio Rochael/Cassiano)
9. Risos (Fábio/Paulo Imperial)
10. Azul da Cor do Mar (Tim Maia)
11. Cristina nº 2 (Carlos Imperial/Tim Maia)
12. Tributo a Booker Pittman (Cláudio Roditi)

Discos eternos – Disraeli gears (1967)

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RIO DE JANEIRO – Ahmet Ertegun, falecido em dezembro de 2006, tem como um de seus grandes méritos a influência direta na formação do power trio mais cool dos anos sessenta. Afinal de contas, foram três músicos com diferentes influências que, enquanto tocaram juntos, revolucionaram a música no seu tempo.

Senão vejamos: o guitarrista, um certo Eric Clapton, era um herdeiro direto das melhores tradições do blues, como já demonstrara no primeiro grupo em que tocou – os Yardbirds; Jack Bruce, o baixista, tinha formação de música indiana além de fortes raízes no jazz; e o baterista Peter “Ginger” Baker, um monstro no seu instrumento, guardou muito bem as lições que aprendeu com percussionistas africanos.

Desta união de três feras surgiu o Cream. E o grupo é pule de dez quando lembrado acerca de influências para diversos estilos musicais: o jazz-fusion, o hard rock e dizem, até, o rock progressivo.

O certo é que os três juntos formavam uma massa de esporro sonoro como nunca se vira na Atlantic Records até aquela época. Quando foram gravar Disraeli Gears em 1967, eles ligavam seus amplificadores Marshall a todo volume e faziam coisas que poucos artistas imaginaram ser possíveis. Efeitos psicodélicos, pedais wah-wah, bateria com dois bumbos, baixo distorcido… tudo valia a pena para se conseguir mais e melhores sons. Não é à toa que no DVD da série “Classic Albums”, Ahmet Ertegun creditava parte de sua surdez ao altíssimo volume que os três rapazes ingleses impunham aos seus instrumentos.

Grande parte do sucesso de Disraeli Gears pode e deve ser creditado ao trabalho do produtor Felix Pappalardi, baixista de outro lendário power-trio, o Mountain, que buscou dar ao trio uma cara mais comercial. E isto pôde ser sentido logo de cara, quando ele mudou a melodia de “Strange Brew”, a faixa de abertura, tornando-a pop e tremendamente palatável. Isto desagradou Eric Clapton na época – afinal ele e Gail Collins tinham escrito letra e melodia – porque o produtor achara que com a mudança de compassos, saindo do estilo do blues de raiz para uma “canção pop à Paul McCartney”, a coisa pegaria. E pegou.

Mas “Strange Brew” não é a música mais lembrada do álbum. Isto cabe a “Sunshine Of Your Love”, com uma linha de baixo inspiradíssima de Jack Bruce e letra brilhante de Pete Brown. A música é tão boa que até Jimi Hendrix a incluía nas jams que promovia em seus já impressionantes shows com o Experience.

O clima em Disraeli Gears varia de acordo com o teor das letras. Sexo e cabarés em “Dance The Night Away”. Engajamento político em “Take It Back”. Traição em “Outside Woman Blues”. Brigas de casal em “We’re Going Wrong”, para muitos a melhor música da carreira do Cream. Tudo pontuado por guitarras rascantes, os vocais de Jack Bruce e a bateria marcante de Ginger Baker.

Uma outra grande canção é “Tales Of Brave Ulysses”, cuja história é resumida pelo seguinte: o artista plástico australiano Martin Sharp, que comporia a capa do álbum usando colagens e gravuras de Albrecht Dürer, foi apresentado a Clapton num bar chamado Speakeasy, que ficava em Chelsea, por Charlotte Martin, uma linda francesa que namorava o guitarrista. Sharp não se fez de rogado: disse-lhe que tinha uma letra de música e que gostaria de oferecê-la ao grupo. Para sua sorte, ou por um daqueles acasos do destino, a letra que ele escrevera cabia perfeitamente numa melodia que EC tinha escrito junto com seus companheiros do Cream.

A se lamentar é que depois de um início tão promissor, o grupo tenha se desfeito. Ficaram na memória seus brilhantes discos e as memoráveis apresentações ao vivo, onde parecia que os três encarnavam o espírito de músicos históricos como Robert Johnson e Charlie “Bird” Parker.

Ficha Técnica de Disraeli Gears
Selo: Atlantic / Polydor
Produção: Felix Pappalardi
Gravado nos estúdios da Atlantic Records, nos EUA, em maio de 1967
Duração do álbum: 33’30”

Músicas:

1. Strange Brew (Eric Clapton-Gail Collins-Felix Pappalardi)
2. Sunshine Of Your Love (Jack Bruce-Pete Brown)
3. World Of Pain (Gail Collins-Felix Pappalardi)
4. Dance The Night Away (Jack Bruce-Pete Brown)
5. Blue Condition (Ginger Baker)
6. Tales Of Brave Ulysses (Martin Sharp-Eric Clapton)
7. Swlabr (Jack Bruce-Pete Brown)
8. We’re Going Wrong (Jack Bruce)
9. Outside Woman Blues (Arthur Reynolds)
10. Take It Back (Jack Bruce-Pete Brown)
11. Mother’s Lament (Traditional – Arr. Eric Clapton)

Discos eternos – Tim Maia Racional (1975)

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RIO DE JANEIRO – Houve um dia em que Tim Maia trocou o profano dos funks, souls, sambas e xaxados que fizeram parte dos seus quatro primeiros discos – três deles sensacionais, aliás – para mergulhar de cabeça no proselitismo e no sagrado do Racional Superior. Foi a época em que o cantor e compositor se converteu à seita Universo em Desencanto, de Manoel Jacintho Coelho, e fez dois álbuns que entraram para a história.

Primeiro, porque marcaram a única e radical guinada de Tim para algo que ele renegaria para todo o sempre. E segundo porque, apesar das letras repletas de lavagem cerebral, as músicas eram excepcionais, de uma qualidade poucas vezes ouvida neste país nos anos 70.

Autodenominado Tim Maia Racional, ele já estava a pleno vapor com os músicos da Banda Seroma na pré-produção de um disco duplo que seria lançado pela RCA Victor, a primeira gravadora dele após a ruptura de contrato com a Philips, de onde saiu no fim de 1973. As músicas estavam com as bases prontas e empolgavam o cantor e os músicos. Mas aí houve a guinada para o Racional Superior, a conversão do cantor ao Universo em Desencanto e a RCA assustou-se. Não quis fazer o disco com mensagens filosófico-religiosas e excusou-se de se associar a qualquer seita. Como resultado, Tim lançou-o de forma independente pelo seu selo Seroma (a junção das iniciais do seu nome, Sebastião Rodrigues Maia).

Com a conversão, Tim partiu para a troca das letras de TODAS as canções que já estavam prontas, mas com os mesmos arranjos. “Adiós San Juan de Puerto Rico”, uma composição bastante percussiva de letra do paraguaio Fábio, transformou-se em “Quer queira, ou não queira”. Uma das músicas que seriam dedicadas a Geisa, mãe de seu filho Carmelo e do adotado Márcio Leonardo (o Léo Maia, que é cantor), transmutou-se em “Leia o livro Universo em Desencanto”. Uma música de Edson Trindade, o mesmo que compusera “Gostava tanto de você” e ia pela mesma linha de samba-soul, virou a confessional “Paz interior”.

Já não dependo das loucuras
Agora sei o que fazer
Agora sei outra verdade
Estou vivendo com prazer de viver

E agora
Já não dependo de você

Voltou o brilho dos meus olhos
Voltou a paz interior
No Universo em Desencanto
Que reencontrei com muito amor
Racional

E agora
Chegando o bem se afasta o mal

O proselitismo só não atingiu as belíssimas “Ela partiu” e “Meus inimigos”, que ficaram de fora dos dois álbuns originais da série Racional e viraram faixas-bônus nas versões posteriores lançadas em CD. O primeiro disco abre com “Que beleza”, já conhecida do público quando Tim cantou na inauguração do Teatro Bandeirantes, em São Paulo, já com o subtítulo de Imunização Racional.

Em meio a pequenas vinhetas – uma delas, celebrando Manoel Jacintho Coelho como o “Grão Mestre Varonil”: Manoel… o maior homem do mundo… homem sábio e profundo… semeou conhecimento… missionário da pureza… fez brilhar, oh! que beleza… essa nova geração – músicas sensacionais como o deep funk “Bom senso”, mais uma de letra lembrando do passado.

Já virei calçada maltratada
E da virada quase nada
Me restou a curtição
Já rodei o mundo quase mudo
No entanto, num segundo
Este livro veio a mão

Já senti saudade
Já fiz muita coisa errada
Já dormi na rua
Já pedi ajuda

Mas lendo atingi o bom senso
Mas lendo atingi bom senso
A imunização racional

Os batidões que não fariam feio em nenhum disco dos mestres soul e funk da época, ganharam até letras em inglês celebrando a Cultura Racional e o Universo em Desencanto, feito “Rational Culture” e todas as demais faixas seguiam os mesmos preceitos, a mesma linha de pregação e proselitismo, que assustaram também os músicos da Banda Seroma, obrigados que foram a pintar seus instrumentos e a se vestir de branco da cabeça aos pés, por exigência de Manoel Jacintho Coelho, naturalmente.

Foi uma época difícil financeiramente para Tim Maia. Morando na Figueiredo Magalhães, rua das mais movimentadas de Copacabana, ele abandonou a Zona Sul e foi viver em Belford Roxo, então um distante distrito de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Celebrava Manoel Jacintho junto a nomes como João Roberto Kelly, Jackson do Pandeiro e o bandolinista Luperce Miranda – todos, assim como ele, convertidos ao Universo em Desencanto. Quem quase entrou para a turma foi Wilson Simonal, na época de sua rumorosa condenação pelo caso em que o cantor fora acusado de mandar torturar seu contador, Raphael Viviani.

Com a produção, lançamento e distribuição do disco feita de forma independente, Tim Maia, que estava à época com 32/33 anos e abandonara as drogas e o álcool, mostrando uma limpidez e uma potência sonoras que nunca mais se ouviu em seus discos, ganhou pouco dinheiro e só teve aborrecimentos, como quando foi chamado para fazer o show de entreato no Festival Abertura, promovido por uma emissora de TV em 1975. O diretor da atração implicou com o branco das roupas e dos instrumentos, o vídeo estouraria em tempos de TV a cores ainda incipiente no país. Tim brigou nos bastidores, mas foi todo carinhos com a inesquecível apresentadora Márcia Mendes, que fez uma matéria com ele, acompanhada pelo país inteiro em horário nobre, num domingo.

Mas chegou o dia em que Tim Maia cansou de buscar “a verdadeira luz da humanidade”. Depois de tantos livros lidos (alguns foram enviados, acreditem, para James Brown, Curtis Mayfield e até John Lennon), teve uma ‘desiluminação’ e abandonou o Universo em Desencanto bem ao seu estilo, quebrando tudo e desfilando uma torrente de palavrões na janela do apartamento da Figueiredo Magalhães, esculachando o antigo guru.

Tim optou por voltar ao profano dos bailes, souls e funks. Bom para seus fãs e para ele, que voltou a despejar uma torrente de sucessos que invadiram as rádios do país inteiro até sua morte prematura e inesperada em 1998, aos 55 anos.

Apesar de nunca mais querer ouvir falar dos discos da fase Racional, disputados a tapa nos sebos por serem raríssimos, Tim Maia teve algumas músicas relembradas por outros artistas. Marisa Monte foi uma que regravou “Que beleza”, assim como Gal Costa. E “O caminho do bem” fez parte da trilha sonora do filme Cidade de Deus.

Em 2011, graças a uma descoberta do produtor Dudu Marote, que encontrou as matrizes com bases já gravadas de músicas inéditas, foi lançado Tim Maia Racional Vol. 3, com seis faixas – anteriormente disponíveis através de downloads piratas. Entre as pérolas nunca lançadas, a sensacional “I am Rational” (I don’t need no dope… I am Rational… And when you read the book… The Universe in Disinchaintment… You don’t need no dope… You gotta be Rational) e “Universo em Desencanto Disco”, já antevendo a chegada da discothéque em terras brasileiras, mas com o proselitismo que foi marca registrada neste período de exceção na vida e na obra do “síndico” Sebastião Rodrigues Maia.

Ficha técnica de Tim Maia Racional
Selo: Seroma (relançado em CD pela Trama)
Gravado entre 1974 e 1975
Produzido por Tim Maia

Músicas (vol. 1)

1. Que beleza [Imunização Racional] (Tim Maia)
2. O Grão Mestre Varonil (Tim Maia)
3. Bom senso (Tim Maia)
4. Energia racional (Tim Maia)
5. Leia o livro Universo em Desencanto (Tim Maia)
6. Contato com o Mundo Racional (Tim Maia)
7. Universo em Desencanto (Tim Maia)
8. You don’t know what I know (Tim Maia)
9. Rational Culture (Tim Maia)
10. Ela partiu [bônus] (Tim Maia)
11. Meus inimigos [bônus] (Tim Maia)

Vol. 2

1. Quer queira ou não queira (Fábio/Tim Maia)
2. Paz interior (Edson Trindade)
3. O caminho do bem (Beto Cajueiro/Serginho Trombone/Paulinho Guitarra)
4. Energia Racional (Tim Maia)
5. Que legal (Tim Maia)
6. Cultura Racional (Beto Cajueiro)
7. O dever de fazer propaganda desse conhecimento (Robson Jorge)
8. Guiné Bissau, Moçambique e Angola (Tim Maia)
9. Que beleza [Imunização Racional] (Tim Maia)

Discos eternos – Santana III (1971)

allcdcovers_santana_santana_iii_199RIO DE JANEIRO – Ainda sob as influências de sua monumental aparição em Woodstock, uma muito bem-sucedida incursão no Montreux Jazz Festival e diversas e sensacionais apresentações mundo afora, que incluíram shows no Theatro Municipal do Rio de Janeiro e também no Festival Internacional da Canção (FIC), Carlos Santana lançou em 1971 seu terceiro disco com a primeira formação da Santana Band, ainda com Gregg Rolie (teclados/percussão/vocal), Dave Brown (baixo), Mike Shrieve (bateria), Jose Chepito Areas (percussão) e Mike Carabello (percussão), aos quais se juntou um segundo guitarrista e compositor: o talentoso Neal Schön, de 17 anos.

Em suas nove faixas, Santana III carrega a altíssima carga latina que caracterizou os primeiros trabalhos de Santana e se tornou uma marca registrada do guitarrista – mas acrescidas das ótimas performances de Neal Schon em canções mais elaboradas como “Everybody’s Everything” e “No one to depend on”, um dos muitos clássicos assinados por Gregg Rolie em parceria com Mike Carabello e Coke Escovedo.

O disco abre com “Batuka”, uma aula de música instrumental percussiva, balançante e com um alucinante solo de guitarra. Outro tema instrumental de grande destaque é “Toussaint l’Overture”, que até hoje é tocada por Santana em seus shows. O tempero chicano vem em “Guajira” (nome de uma dança cubana), com letra em espanhol e em mais uma homenagem a Tito Puente, lenda do suingue latino e percussivo, com uma cover de “Para los rumberos”.

Santana assina sozinho apenas uma faixa, a ótima “Everything’s coming our way” e entre as demais faixas, destaque para a sensacional “Jungle Strut”, de Eugene ‘Jug’ Ammons, que acabaria virando tema de abertura do inesquecível programa Bike Show, do meu querido amigo João Mendes.

Um disco tão bom feito este só poderia atingir número #1 nas paradas de sucesso, o que de fato aconteceu. Aliás, foi o primeiro álbum de Santana a chegar no topo e o Guinness Book of Records mostra que o guitarrista esperou 28 anos para ver um novo álbum como número #1 da Billboard: a façanha foi alcançada com Supernatural, o maravilhoso disco de Santana com outros artistas, lançado em 1999.

Anos depois do lançamento original, a Sony Music relançou Santana III numa edição chamada Legacy Edition com as faixas originais mais o registro de sua histórica apresentação no Fillmore West. Em 98, viria uma reedição do álbum com três faixas-bônus, também retiradas do show do Fillmore: “Batuka”, “Jungle Strut” e “Gumbo”, que entrou na Legacy Edition como um registro em estúdio.

Nos anos 70/80, os trabalhos de Santana seriam mais ‘estanques’ e ele emplacaria apenas um hit aqui, outro acolá. Após a gravação deste disco, a Santana Band sofreu suas primeiras baixas: Gregg Rolie e Neal Schön foram embora para fundar o Journey. Mas o indelével talento do guitarrista e líder permanece vivo, para o nosso deleite.

Ficha técnica de Santana III
Selo: CBS/Sony Music
Gravado entre janeiro e 4 de julho de 1971 nos Estúdios Columbia, em San Francisco (EUA)
Produzido por Santana Band
Tempo: 41’26″

Músicas:

1. Batuka (Chepito Areas-Dave Brown-Mike Carabello-Gregg Rolie-Mike Shrieve)
2. No one to depend on (Coke Escovedo-Gregg Rolie-Mike Carabello)
3. Taboo (Chepito Areas-Gregg Rolie)
4. Toussaint l’Overture (Carlos Santana-Chepito Areas-Dave Brown-Gregg Rolie-Mike Carabello-Mike Shrieve)
5. Everybody’s everything (Carlos Santana-Tyrone Moss-Milton Brown)
6. Guajira (Chepito Areas-Dave Brown-Rico Reyes)
7. Jungle Strut (Jug Ammons)
8. Everything’s coming our way (Carlos Santana)
9. Para los rumberos (Tito Puente)

Discos eternos – Nothing Like The Sun (1987)

Sting

RIO DE JANEIRO – Muita gente torce o nariz para este disco solo do Sting, terceiro trabalho do artista britânico após The Dream of Blue Turtles Bring On The Night, gravados em meados dos anos 80. Mas como gosto é uma coisa pessoal, não posso dizer que este álbum é ruim como muitos querem fazer parecer. Está longe de ter o peso do que ele seus companheiros de Police fizeram – e isso é fato. Mas é um disco movido por dezenas de razões.

Um ano antes do lançamento, em 1986, Sting perdeu sua mãe, o que contribuiu para grande parte do tom “sombrio” de algumas canções e, somando-se a isso, o cantor criara um envolvimento muito forte com o movimento da Anistia Internacional, defendendo com unhas e dentes os direitos civis daqueles que tinham sido vítimas da opressão nos tempos das muitas ditaduras sul-americanas.

A música “They Dance Alone” é o grande exemplo desse envolvimento de Sting com os grupos ativistas. Com forte conteúdo político, foi – logicamente – proibida no Chile de Augusto Pinochet e teve o auxílio luxuoso de Mark Knopfler e Eric Clapton, nas guitarras. A canção também se refere à dança das mães que choravam seus filhos desaparecidos, com fotografias penduradas em suas roupas – a chamada Gueca Solo.

Apesar da vertente sombria, o disco é pontuado pela fusão do pop com o jazz e belos arranjos, como os ouvidos em “Be Still My Beating Heart” e em “Englishman in New York”. “Sister Moon”, belíssima canção que abre o lado B do segundo disco do álbum duplo (quando lançado, foi assim), acabou inspirada por uma frase de um soneto de Shakespeare dita por Sting a um homem embriagado com quem encontrara certa feita e lhe perguntara: “How beautiful is the moon?” (Quão bonita é a lua?). A resposta veio na lata: “My mistress eyes are nothing like the sun”. (Os olhos de minha amante nada são diante do sol), o que também contribuiu para o título do trabalho.

“They Dance Alone” não é a única canção política no disco. “History Will Teach Us Nothing” segue esta linha, assim como o reggae “Rock Steady”. Mas talvez a música que mais tenha criado polêmica, além do canto contra a opressão sul-americana, foi “Little Wing”.

Não é para menos: Sting e seus comparsas revestiram o clássico de Jimi Hendrix com uma doçura que nunca foi mostrada de fato nas outras covers, perpetradas por Derek & The Dominos e Stevie Ray Vaughan, por exemplo. Para o arranjo da música, o cantor e compositor chamou o mago Gil Evans e sua orquestra, tirando todo o peso da canção e imprimindo um arranjo com clarinetas, flugelhorn, oboé e outros instrumentos mais sofisticados de sopro.

Aqui no Brasil, o disco foi lançado com uma música cantada por Sting com um português sofrível. “Frágil” (Fragile), canção que encerrou o lado B do primeiro disco, destoava claramente do restante do trabalho, onde o britânico se esforçava claramente para manter o tom da canção vertida por Liluca para um idioma estranho para o cantor.

Com produção a oito mãos, creditada a Sting, Hugh Padgham, Neil Dorfsman e Bryan Loren, o álbum alcançou boas vendas. Nos EUA, fez 2 milhões de cópias, conferindo a Sting o disco duplo de platina. “We’ll be together”, carro-chefe do disco, chegou em #7 nas paradas estadunidenses, enquanto “Be still my beating heart” e o remix de “Englishman in New York” ficaram em #15 na terra de Tio Sam.

Ficha Técnica de Nothing Like The Sun
Selo: PolyGram/Universal Music
Gravado no Air Studios, em Montserrat, de março a agosto de 1987
Produzido por Sting, Hugh Padgham, Neil Dorfsman e Bryan Loren
Tempo total: 54’45”

Músicas:

1. The Lazarus Heart
2. Be Still My Beating Heart
3. Englishman in New York
4. History Will Teach Us Nothing
5. They Dance Alone (Gueca Solo)
6. Fragile
7. We’ll Be Together
8. Straight To Your Heart
9. Rock Steady
10. Sister Moon
11. Little Wing (Jimi Hendrix)
12. The Secret Marriage

(todas as outras composições de Sting, exceto a #11)

Discos eternos – Som Imaginário (1971)

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RIO DE JANEIRO – Confesso que até o reveillón de 1996/1997, desconhecia por completo a existência de um grupo brasileiro chamado Som Imaginário. Em pleno 1º de janeiro, com o som da festa devidamente levado de volta por seu dono para o Rio de Janeiro (a passagem de ano foi em Petrópolis, com dezenas de amigos, num casarão da família de uma amiga minha de faculdade), nos restou apenas uma velha vitrola e discos mais velhos ainda, onde despontavam Colosseum, Camel, Caravan e Som Imaginário.

Eu e um conhecido daquela época, que acho que se tornou músico, fomos ver qual era a desse grupo e ao ouvir a primeira faixa, demos muito boas risadas. Afinal de contas, o que tinha de interessante uma música que dizia “eu vou plantar cenouras na sua cabeça”? Fácil: muita coisa.

Tempos depois, vim descobrir que o Som Imaginário surgira em Minas no fim dos anos 60, para ser a banda de apoio de ninguém menos que Milton Nascimento. O grupo era formado por – vejam bem a turma – Fredera na guitarra-solo (à época assinando Frederyko), Tavito no violão e na guitarra-base, Luiz Alves no baixo, Wagner Tiso no piano e órgão, Zé Rodrix no piano, órgão, flauta e vocais, e Robertinho Silva na bateria. Laudir de Oliveira foi chamado para ser o percussionista, mas durou pouco tempo na função: foi excursionar com o Brazil 69 de Sérgio Mendes.

Essa turma toda tocou em 1970 no famoso show Milton Nascimento, ah, e o Som Imaginário, um espetáculo que foi bem-sucedido e provou que o Som Imaginário era mais do que uma simples banda de apoio, com boas possibilidades até de conseguir contratos para gravar discos. Nesse mesmo ano, o grupo participou do FIC da TV Globo com “Feira Moderna”, composição de Fernando Brant e Beto Guedes. Foram para a final, mas como correu um boato que “BR-3″, de Tibério Gaspar e Antônio Adolfo, com Toni Tornado e o Trio Ternura cantando, venceria a fase nacional do festival, eles não se conformaram: tocaram uma versão fake com um só acorde e sem nenhum sentido.

Apesar disto, “Feira Moderna” fez parte do primeiro álbum do grupo, que veio à luz nesse mesmo ano de 1970. Nesse primeiro trabalho, o Som Imaginário não flertava com o que se convencionava chamar de MPB: era uma mistura poderosa de Beatles, com psicodelia, rock progressivo e a cultura hippie que “fazia a cabeça” da moçada mais jovem.

Divididos entre o grupo e trabalhos paralelos com outros artistas – inclusive Milton Nascimento – os integrantes do Som Imaginário tiveram que se virar sem Zé Rodrix, que sairia do grupo para formar o trio Sá, Rodrix e Guarabyra. Sem ele, o líder natural passou a ser Fredera, que cantou em praticamente todas as faixas do disco de 1971.

A abertura é com a sensacional “Cenouras”, supracitada, onde Fredera e Tavito capricham nas guitarras e o primeiro solta a pérola-mor do disco: eu vou plantar cenouras na sua cabeça… É só a tônica do que o ouvinte poderia encarar nas sete faixas seguintes. Em “Você tem que saber”, com uma levada típica de música regional e farta percussão, o grupo flerta com a MPB renegada no disco anterior, num resultado surpreendentemente bom.

O escracho dá o tom na terceira música. “Gogó (O alívio rococó)” começa com uma seqüência de gritos initeligíveis, pratos, bateria, percussão, acordes dissonantes e uma letra absolutamente hilária que termina assim: Rococó… meu gogó… tua avó… pão-de-ló… bororó… curió… no filó… Sensacional!

“Ascenso” é uma faixa que remete ao disco de estréia de outro grupo que bebia na fonte do prog rock: O Terço. Com um vocal espetacular de Fredera e a belíssima letra de Fernando Brant, é uma das melhores de todo o álbum, com um arranjo caprichadíssimo de Wagner Tiso.

Outro grande destaque é “Salvação pela macrobiótica”, um canto falado engraçadíssimo e anárquico que começa falando do feijão nosso de cada dia e depois embarca numas de que bom mesmo é ficar meditando e comendo arroz integral. A sexta faixa é também de dois mineiros que seriam fornecedores de canções do movimento do Clube da Esquina: Chico Lessa e Márcio Borges compuseram “Ué”, outra com letra viajandona e excelente performance de Tavito e Fredera nas guitarras, além da competentíssima cozinha formada por Luiz Alves e Robertinho Silva.

“Xmas Blues”, como o próprio nome sugere, é um blues que remete a Natal e congêneres, em nova letra hilária de Fredera que diz que o algodão branco imita a neve irreal – provavelmente porque em Minas Gerais neve é artigo inexistente. Por fim, o disco encerra com “A nova estrela”, belíssima composição de Fredera e Wagner Tiso, com o piano e o órgão tocados por este último em absoluto destaque.

Uma senha para o que seria o disco seguinte do grupo – Matança do Porco, gravado em 1973, que seria também o divisor de águas para a carreira de Wagner Tiso. O Som Imaginário ainda tocaria em Milagre dos Peixes, grande álbum de Milton Nascimento algum tempo depois e os fãs mais extremados consideram que este é o quarto e último trabalho de uma banda que deixou sua marca na música moderna brasileira.

Pena que durou tão pouco tempo.

Ficha Técnica de Som Imaginário
Selo: EMI-Odeon
Produzido por Milton Miranda
Gravado nos estúdios da EMI-Odeon no primeiro semestre de 1971
Tempo total: 31’47″

Músicas:

1. Cenouras (Frederyko)
2. Você tem que saber (Chico Lessa/Márcio Borges)
3. Gogó [O alívio rococó] (Frederyko/Wagner Tiso)
4. Ascenso (Fernando Brant/Frederyko)
5. Salvação pela macrobiótica (Frederyko)
6. Ué (Chico Lessa/Márcio Borges)
7. Xmas blues (Frederyko)
8. A última estrela (Frederyko/Wagner Tiso)

Discos eternos – Jimi Hendrix live at Woodstock (1969)

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RIO DE JANEIRO – Aproveitando o embalo da trilha sonora da noite desta sexta-feira, vou falar de um artista que dispensa apresentações. Em sua breve vida e carreira, deixou uma legião de fãs e a certeza de que ninguém – em tempo algum – conseguiu ou conseguirá superar o talento natural ao empunhar uma guitarra. Falo, claro, de Jimi Hendrix.

O músico foi o escolhido pelos produtores Artie Kornfeld e Michael Lang para encerrar o Festival de Woodstock em 1969, não sem antes terem levado um “fora” de Roy Rogers. Com o cachê mais alto de todos os artistas – cerca de US$ 50 mil na época – Jimi, que estava morando nas proximidades de Bethel após a dissolvição do Experience, topou, fechou o contrato e começou a caçar outros músicos para o show.

O fiel Mitch Mitchell tocaria a bateria e Billy Cox foi o escalado com a debandada de Noel Redding. Larry Lee, um velho amigo de Jimi dos tempos de exército, foi chamado para ajudar. Juma Sultan e Jerry Velez seriam os percussionistas.

Os shows atrasaram por conta do mau tempo logo no primeiro dia e Jimi, que fecharia o festival à meia-noite do domingo, 18 de agosto de 1969, entrou no palco quase nove horas após o horário previsto. Ele e os rapazes precederam o grupo de rockabilly Sha-Na-Na e, mesmo com a plateia meia-bomba em razão da debandada geral – afinal, era uma segunda-feira e gente normal trabalha às segundas – Hendrix e os músicos foram calorosamente bem recebidos.

O locutor anunciou a entrada do grupo como “Jimi Hendrix Experience”, no que ele logo rebateu. “Nós nos cansamos do Experience e então mudamos um pouco as coisas. A banda se chama Gypsy Sun And Rainbows. E com certeza não passamos de um bando de ciganos”, disse.

Cigano ou não, o fato é que Hendrix justificou plenamente o cachê e fez um show magnífico. Abriu com “Message To Love” e dedicou a primeira parte a músicas que o público já conhecia bastante, como os blues “Hear My Train a Comin'” e “Red House”, a sensacional “Spanish Castle Magic”, a sensualíssima “Foxey Lady” e ao improviso vertiginoso em “Jam Back The House”.

E ainda viria mais. Jimi teve a ousadia de tocar “Izabella”, uma música que ainda estava absolutamente inédita e só seria lançada anos depois em estúdio num disco póstumo do guitarrista. Ele arrebenta em “Fire” e transmuta “Voodoo Child”, revirando seu clássico do avesso, com solos e improvisos que fazem corar os mais corajosos que ousam reverberar seus acordes como aprendizes do talento do mestre supremo.

Com o jogo ganho, Hendrix decalca “Star Spangled Banner”, em ritmo alucinante, fazendo sua guitarra soar no compasso da bateria de Mitch Mitchell, parecendo que bombas caíam no palco – e nada mais anti-Vietnã do que tocar o hino estadunidense num festival de rock, com a Fender Stratocaster gritando como nunca. “Purple Haze” vem na sequência, numa interpretação arrebatadora, precedida de um longo solo de guitarra. Uma das mais esperadas músicas pela plateia, “Hey Joe” fecha a catártica e inesquecível performance do mago da guitarra no encerramento – com chave de ouro – do festival de Woodstock.

Fica claro que – ao ver as imagens do show – Hendrix carregou quase todo mundo nas costas. Com exceção de Mitch Mitchell, que deu um show na bateria e de Billy Cox, que compôs com ele uma ótima ‘cozinha’, os outros músicos pouco ou nada acrescentaram. Há quem diga que o engenheiro de som Eddie Kramer e o produtor Alan Douglas, na mixagem final para som digital, anularam completamente a presença de Lee, Juma e Velez. Até podemos entender isso como algo justificável, porque, na verdade, o grande astro no palco era ele, Jimi, o Deus da Guitarra.

E uma coisa precisa ser perguntada, embora saibamos a resposta:

Existiu mesmo algum ser terráqueo ao nível de James Marshall Hendrix no quesito guitarrista?

Ficha técnica de Jimi Hendrix Live At Woodstock
Selo: MCA/Universal Music
Gravado ao vivo no Festival de Woodstock em 19 de agosto de 1969
Produzido por Alan Douglas
Tempo total: 96’38”

Músicas:

1. Introduction
2. Message To Love
3. Hear My Train A Comin’
4. Spanish Castle Magic
5. Red House
6. Lover Man
7. Foxey Lady
8. Jam Back The House
9. Izabella
10. Fire
11. Voodoo Child (Slight Return)
12. Star Spangled Banner (Francis Scott Key/John Stafford Smith)
13. Purple Haze
14. Woodstock Improvisation
15. Villanova Junction
16. Hey Joe (Billy Roberts)

Todas as outras músicas de autoria de Jimi Hendrix

Discos eternos – Fruto Proibido (1975)

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RIO DE JANEIRO – Rita Lee Jones ainda era uma Mutante em 1970. Tinha 22 anos apenas quando deu seu primeiro “grito” solo, Build Up. Um grito tímido, que muitos não têm como um grande disco, mas serviu para mostrar que ela não era apenas um rostinho bonito no grupo do qual fazia parte. Depois, veio Hoje é o primeiro dia do resto de sua vida, que soa ainda como um disco d’Os Mutantes – pois, por incrível que pareça, Arnaldo Baptista, Sérgio Dias e Dinho Leme fizeram parte dele.

A garota foi defenestrada por Arnaldo Baptista em fins de 1972 e finalmente pôde dar o grito de alforria, para começar a se consagrar como a rainha do rock no Brasil. Mas para que isso acontecesse, ainda demoraria um pouquinho. Ela errou na dose ao formar com a amiga Lucinha Turnbull o duo Cilibrinas do Éden, de brevíssima vida e depois, decepcionou-se com o resultado de Atrás do porto tem uma cidade, trabalho que marcou o fim do seu contrato com a Philips e fê-la afirmar muito tempo depois. “A gravação que Wanderléa fez de ‘Menino Bonito’ deu um pau na minha”.

Nessa época, Rita já tocava com os tutti buona gente da Pompeia que formavam o grupo Tutti-Frutti: Luis Sérgio Carlini (guitarra), Lee Marcucci (baixo) e Emilson Colantônio (bateria). Este último seria substituído por Franklin Paolillo e foi com esta formação que ela e a banda entraram em estúdio para gravar Fruto Proibido, o álbum que definitivamente consagrou a cantora.

Com produção do engenheiro de som Andy Mills, que fizera vários discos de Alice Cooper, e lançado pelo selo Som Livre, ligado às Organizações Globo, Fruto Proibido é uma das maiores obras-primas da história do rock nacional. Com pitadas de blues, hardcore e glam, Rita e os rapazes do Tutti-Frutti, com o auxílio luxuoso de gente como o genial Manito (o mesmo dos Incríveis, do Som Nosso de Cada Dia e dos Mutantes) e do piano de Guilherme Bueno, fazem a delícia do ouvinte da primeira à última faixa.

O disco oferece uma enxurrada de clássicos, começando com “Dançar para não dançar”, passando pela sensacional “Agora só falta você”, parceria de Luis Sergio Carlini com Rita, que pelo teor da letra ficou com um quê de hino feminista. Sem contar que Paulo Coelho, já brigado com Raul Seixas, compôs com a cantora a bem-humorada “Esse tal de roque enrow” – a visão desesperada de uma mãe sobre o gênero musical. A parceria rendeu outras duas canções: “O toque” e “Cartão postal”.

Rita assinaria ainda, sozinha, outras duas músicas que são obrigatórias em sua galeria de ótimas canções. “Luz Del Fuego”, homenagem à bailarina capixaba Dora Vivacqua, que entre os anos 50 e 60, chocou e revolucionou o país com suas ideias libertárias e o naturismo – ela foi a introdutora das praias de nudismo no país – e a maravilhosa “Ovelha negra”, talvez a letra mais bacana que ela escreveu em toda a carreira. E o solo final de Luís Sérgio Carlini é daqueles que ninguém esquece.

Tanto “Agora só falta você” e “Ovelha negra” foram lançadas com protoclipes no Fantástico, já que o disco era da Som Livre e a execução das mesmas num programa de alto ibope país afora ajudou a catapultar as vendas de Fruto Proibido a patamares incríveis. Rita e o Tutti-Frutti ganharam disco duplo de platina, com inteira justiça, pois o disco atingiu deslumbrantes 700 mil cópias vendidas.

Até 1978, quando a parceria com o grupo se desfez, Rita realmente fazia rock and roll de qualidade e Fruto Proibido é uma espécie de “como fazer rock em português”, muito embora Raul Seixas fosse mestre nessa arte e os grupos progressivos como O Terço e o Som Nosso de Cada Dia também tivessem ótímos discos do gênero. Mas a primeira mulher que entrou de cabeça no gênero foi ela: Rita Lee Jones.

Ficha técnica de Fruto Proibido
Selo: Som Livre
Gravado no Estúdio Eldorado, em São Paulo, em abril de 1975
Produção de Andy Mills
Tempo: 37’12”

Músicas:

1. Dançar para não dançar (Rita Lee)
2. Agora só falta você (Luis Sérgio Carlini/Rita Lee)
3. Cartão postal (Paulo Coelho/Rita Lee)
4. Fruto proibido (Rita Lee)
5. Esse tal de roque enrow (Paulo Coelho/Rita Lee)
6. O toque (Paulo Coelho/Rita Lee)
7. Pirataria (Lee Marcucci/Rita Lee)
8. Luz Del Fuego (Rita Lee)
9. Ovelha negra (Rita Lee)

Discos eternos – Pilantrália (1969)

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RIO DE JANEIRO – Responda se puder: o que artistas como Roberto e Erasmo Carlos, Ronnie Von, Elis Regina, Tony Tornado, Clara Nunes, Fábio, Tim Maia e Wilson Simonal têm em comum? – além do fato de cantarem músicas em português, claro.

Pois é: todos esses nomes estiveram ligados num passado não muito remoto a um sujeito que marcou história na música brasileira e também no mundo do showbiz por se tornar uma personagem das mais controvertidas de todos os tempos: Carlos Eduardo da Corte Imperial.

Nascido na mesma Cachoeiro de Itapemirim de Roberto Carlos, seis anos antes do Rei, em 1935, Imperial foi um marqueteiro avant la lettre, muito além do seu tempo: promoveu o rock and roll, escreveu músicas, produziu discos, descobriu artistas, participou e produziu peças de teatro, escreveu e atuou em filmes, foi jurado e teve programa de televisão, decidiu samba-enredo da Portela, colunista de jornal e revista, vereador, candidato a prefeito… ufa… “tudo ao mesmo tempo”, até sua morte em 4 de novembro de 1992.

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Discos eternos – L. A. Woman (1971)

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RIO DE JANEIRO – Desde o trabalho anterior, o ótimo Morrison Hotel, os quatro rapazes dos Doors – e especialmente Jim Morrison – queriam direcionar seus futuros projetos e discos para o blues, deixando em segundo plano a psicodelia, que no início dos anos 70 dava seus últimos suspiros. E enquanto o grupo iniciava o trabalho de pré-produção do álbum L. A. Woman, o produtor Paul A. Rothchild resolveu tirar o dele da reta: qualificou o que os Doors faziam como “música de coquetel” – em especial ”Riders On The Storm” e foi embora.

Com isso, a produção foi dividida entre o próprio grupo e o engenheiro de som Bruce Botnick, seguindo a proposta de gravar todas as faixas “ao vivo”, sem overdubs de mixagem, num Workshop do grupo em Los Angeles, na Califórnia – daí o título do sexto álbum de estúdio da banda. Apenas na mixagem final é que entraram as participações de Marc Benno (guitarra), Jerry Scheff (baixo) e John Hanus III (guitarra), cada um em quatro faixas.

O disco tem ótimos momentos, como provado em “Love Her Madly”, na força de “Been Down So Long”, a poesia melancólica de “Hyacinth House”, puro blues em “Cars Hiss By My Window” e em “Crawling King Snake”, cover de uma velha música de John Lee Hooker. E uma boa dose de polêmica também: “L’America” foi composta para a trilha sonora do filme Zabriskie Point, de Michelangelo Antonioni, considerada ofensiva e posteriormente censurada. Só foi liberada alguns anos depois para entrar no álbum do grupo.

Jim Morrison, visivelmente decadente, gordo, grosseiro e desleixado, abandonou de vez a imagem de símbolo sexual. A bela voz dos primeiros álbuns foi também para o espaço e o que se ouve é algo muito diferente dos outros cinco discos dos Doors. Mas a poesia e a virulência de suas letras ainda estão lá, como provado em “The WASP (Texas Radio And The Big Beat)”, na faixa-título, onde ele evoca o Mr. Mojo Risin’ e também em “Riders On The Storm”, que ganhou efeitos de chuvas e trovoadas na mixagem final.

Quando o disco foi lançado, em maio de 1971, Jim tinha ido embora dos EUA: foi morar em Paris com a companheira Pamela Courson. Infelizmente, em 3 de julho, o cantor e poeta morreu dentro de uma banheira num quarto de hotel na capital francesa, em circunstâncias desconhecidas para muitos. A banda seguiu como trio, ainda fez mais dois álbuns mas a essência dos Doors foi totalmente perdida com o desaparecimento prematuro do ídolo Jim Morrison.

Ficha Técnica de L. A. Woman
Selo: Elektra Records / Warner Music
Produção: The Doors e Bruce Botnick
Gravado no The Doors Workshop em Los Angeles, entre dezembro de 1970 e janeiro de 1971
Tempo total: 48’24″

Músicas:

1. The Changeling (The Doors)
2. Love Her Madly (The Doors)
3. Been Down So Long (The Doors)
4. Cars Hiss By My Window (The Doors)
5. L. A. Woman (The Doors)
6. L’America (The Doors)
7. Hyacinth House (The Doors)
8. Crawling King Snake (John Lee Hooker/Bernard Besman/Tony Hollins)
9. The WASP [Texas Radio and The Big Beat] (The Doors)
10. Riders On The Storm (The Doors)

Discos eternos – Imagem e som (1971)

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RIO DE JANEIRO – O paraibano Genival Cassiano dos Santos, nascido em Campina Grande no ano de 1943, é um dos nomes mais injustiçados da história da música brasileira. Já faz três décadas desde seu último lançamento de músicas inéditas e só uma coletânea alentadíssima organizada por Ed Motta para o selo Dubas Música da Universal foi capaz de resgatar parte da fecunda obra do cantor/compositor.

Cassiano é um dos pais do soul e do funk no Brasil. No começo da carreira musical, formou o grupo Bossa Trio, mais tarde rebatizado Os Diagonais, com o irmão Camarão e os também nordestinos Amaro e Hyldon. Gravaram um álbum que continha uma surpreendente versão de “Na baixa do sapateiro”, de Ary Barroso, cheia de suingue. O disco teve pouca repercussão e vendas baixas, mas Tim Maia adorou e ouviu – tanto que chamou o quarteto para participar de seu primeiro disco, lançado em 1970.

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Discos eternos – Thriller (1982)

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RIO DE JANEIRO – Em 1982, Michael Jackson presenteou o mundo da música com um videoclip histórico e um disco idem. Três anos após o excepcional Off The Wall, de músicas maravilhosas como “Rock With You” e “Don’t Stop ‘Til Get Enough”, o artista estrondava com seu sexto álbum, Thriller.

Para quem pensa que foi um disco fácil de ser produzido, nada menos exato: foram 30 canções trabalhadas por ele e Quincy Jones durante um período de seis meses. Dessas trinta, apenas nove foram usadas – porque ainda não havia o Compact Disc e a primeira fornada de Thriller foi lançada mesmo em vinil. Some-se a isso o desgaste natural provocado por egos em fúria e pela constante busca de Jacko pela perfeição, mais preocupado em ensaiar passos e coreografias do que, propriamente, gravar o sexto disco de sua carreira-solo.

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Discos eternos – Around The Next Dream (1994)

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RIO DE JANEIRO – Há alguns power trios que são históricos no rock and roll, como o Jimi Hendrix Experience, o Mountain e o Cream. Este último, de fugaz duração – entre 1966 e 1968 – reunia ninguém menos que Eric Clapton, Jack Bruce e Ginger Baker. Três músicos excepcionais em suas especialidades e que, juntos, eram uma usina de som. E ao mesmo tempo, o grupo era uma fogueira de vaidades. Não à toa, durou pouco.

Lá pelos anos noventa, muito tempo depois do fim do Cream, eis que Jack Bruce aparece para Eric Clapton querendo a volta do grupo, 25 anos depois do fim do power trio. Envolvido com o projeto do seu (ótimo) álbum de blues de raiz chamado “From The Cradle” e ainda digerindo a morte do filho Conor, EC declinou do convite – porque também queria tomar a dianteira e que o grupo se chamasse Eric Clapton & Cream, e a possível e mais do que aguardada reunião do grupo só aconteceria muito tempo depois.

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Discos eternos – Snegs (1974)

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RIO DE JANEIRO – Nos anos 70, o rock and roll passava por uma metamorfose. Tempos de músicas longas, chamadas “suítes”, muitos sintetizadores, viagens, músicos cabeludíssimos ou barbados e experimentalismo. Era o rock progressivo para a moçada da época curtir um barato.

No Brasil, o prog rock engatinhava. Ao defenestrarem Rita Lee, Os Mutantes direcionaram seu bem-humorado estilo para beberem na fonte de quem serviu-lhes de inspiração, como Yes, Emerson Lake And Palmer, King Crimson e Premiata Forneria Marconi. O Terço também entrou de cabeça no gênero e surgiram outros grupos, como o Vímana e A Barca do Sol. Mas talvez um dos mais emblemáticos da safra seja o Som Nosso de Cada Dia.

O grupo, que começara batizado Cabala em 1970, lançou quatro anos depois de seu surgimento um disco que é referência na história do rock brasileiro e do gênero progressivo, embora pouco conhecido no mainstream. Entre seus integrantes, o mitológico Manito, o virtuose dos instrumentos, oriundo d’Os Incríveis. Ele, Pedro Baldanza (Pedrinho) e Pedro Batera (Pedrão) fizeram misérias em Snegs.

Manito tocou simplesmente quase todos os instrumentos, exceto bateria e baixo. Os sintetizadores, teclados e pianos que pontuam quase todas faixas são dele, além dos violinos, saxes e flautas. O cara era demais! Mas Pedrinho também faz um ótimo trabalho compondo a cozinha rítmica e nos vocais do álbum.

Gravado em menos de uma semana, Snegs contém verdadeiras pérolas do progressivo nacional, como “Sinal da Paranoia”, “O Som Nosso de Cada Dia”, “Snegs de Biuffrais”, “Massavilha” (um show de Manito nos teclados, aliás), “A Outra Face”, “Direccion de Aquarius”, sem contar o rockão “Bicho do Mato”.

O som do grupo, que lançara seu disco pela Continental, chamou a atenção dos responsáveis por trazer Alice Cooper para uma turnê de shows no Brasil. E o Som Nosso foi convidado para fazer a abertura para o roqueiro estadunidense em cinco apresentações no Rio de Janeiro e São Paulo.

Tocaram para um público estimado em 140 mil pessoas no total e levaram a plateia à loucura. Quando Manito tocava os primeiros acordes de “Massavilha”, a massa roqueira ficava boquiaberta e alucinada com o que via e ouvia. Há quem diga que os shows do Som Nosso foram até melhores que os de ‘Tia’ Alice. Mas pode ser só lenda…

Nessa época, Manito deixou o Som Nosso e foi para Os Mutantes, ocupar o lugar de Arnaldo Baptista – por pouco tempo, diga-se. Ele voltaria ao Som Nosso como músico convidado e a banda teria ainda mais dois integrantes: Egídio Conde, guitarrista egresso do Moto Perpétuo e o tecladista Tuca. O grupo lança mais um álbum, Sábado/Domingo, em 1976, pela CBS, com pegada mais funk, onde se destacam as faixas “Pra Swingar” e “Levante a Cabeça!”. Mas a carreira do Som Nosso acabaria ao fim daquele mesmo ao.

Ficha técnica de Snegs
Selo: Continental/Phonodisc (vinil) e PRW (CD)
Produção: Peninha Schmidt
Gravado em 1973
Tempo: 44’25” (versão em CD) e 37’54” (vinil)

Músicas:

1. Sinal da Paranoia (Cimara-Pedro Baldanza)
2. Bicho do Mato (Gastão Lamounier)
3. O Som Nosso de Cada Dia (Paulinho-Pedro Baldanza)
4. Snegs de Biuffrais (Paulinho-Pedrão-Pedro Baldanza)
5. Massavilha (Paulinho-Pedro Baldanza)
6. Direccion de Aquarius (Paulinho-Pedro Baldanza)
7. A Outra Face (Paulinho-Pedro Baldanza)
8. O Guarani (Carlos Gomes) *

* Faixa bônus somente na versão em CD