Saudosas pequenas – RAM, parte I

RIO DE JANEIRO – A série das Saudosas Pequenas traz mais uma escuderia que teve uma passagem fugaz pela Fórmula 1, primeiro como cliente, comprando carros de terceiros e depois construindo seus próprios bólidos. Refiro-me à RAM, de origem britânica, e que participou da categoria máxima nos anos 70 e 80.

Seu fundador foi John MacDonald, um sujeito tido como esperto, que de uma hora para outra, conseguiu arrumar dinheiro suficiente para comprar dois Brabham BT44 de segunda mão e inscrever sua equipe no Mundial de Fórmula 1 de 1976.

kessel_1976rockesselsr6

A primeira aparição da RAM foi numa corrida extracampeonato, a Race of Champions, que aconteceu em Brands Hatch. Os carros foram guiados por Loris Kessel e Patrick Neve. O belga largou em 13º e chegou em sexto. Kessel abandonou com problemas de motor. No Daily Express Trophy, outro evento que não contava pontos para o Mundial e que se realizou em Silverstone, Neve completou em 11º e Kessel em décimo-segundo.

gp_espana_76jaramaaemiliodevillota

Nestas duas corridas, os BT44B do time de John MacDonald ainda correriam com o periscópio sobre o motor. Mas já em 1º de maio, no GP da Espanha, os bólidos apareceram sem o aparato e ao invés de Patrick Neve a bordo do #33, quem estava dentro do carro era o folclórico espanhol Emilio De Villota, que assim como Kessel, não se qualificou para a corrida.

kessel_1976_kessel_swe

Em Zolder, entretanto, a RAM conseguiu qualificar os dois carros: Neve em 19º e Kessel em 23º. Um escândalo, considerando que entre os desclassificados estavam o ídolo local Jacky Ickx e o bicampeão mundial Emerson Fittipaldi. Ninguém entendeu muito como dois carros construídos em 1974 ainda conseguiam ser minimamente rápidos. E Kessel ainda conseguiu chegar ao fim da disputa em 12º lugar. Neve abandonou.

7633nellemanbt44bcosswe

MacDonald não levou os carros de sua equipe para Mônaco. Retornou na Suécia, onde leiloou o cockpit do #33 para um novato dinamarquês, Jac Nelleman, que não se qualificou. Kessel largou em último e bateu na 6ª volta.

magee_1976_fmageemk0

Em Paul Ricard, o suíço teve outro piloto com quem dividir os boxes: o britânico Damien Magee sonhava repetir a façanha alcançada na Suécia um ano antes, quando classificou e correu com uma Williams. E quase conseguiu: ficou de fora do grid por um décimo de segundo. Kessel foi o último entre 30 pilotos e não se qualificou também.

Evans-RAM1976

No GP da Inglaterra, MacDonald ofereceu uma oportunidade ao britânico Bob Evans, que no ano anterior naufragara com a BRM e conseguiu mais uns trocados com a ida da italiana Lella Lombardi, apoiada pelo patrocínio do Café Lavazza. Evans conseguiu um honesto 22º posto no grid e abandonou com quebra de câmbio. Lella, última no treino oficial, evidentemente ficou de fora – como também ficaria na Alemanha.

3383

A última aparição da RAM em 1976 foi no GP da Áustria, onde os dois carros de John MacDonald competiram. Lella Lombardi fez também sua derradeira corrida de F-1, largando em penúltimo para chegar em 12º. Kessel partiu de último e abandonou.

No ano de 1977, John McDonald reapareceu com sua equipe, desta vez iludido pelo que vira na temporada anterior, onde a March conseguiu 19 pontos e uma posição honesta no Mundial de Construtores. Prevendo que o modelo 761 continuaria competitivo, o dono da RAM comprou dois chassis para disputar o Mundial de Fórmula 1.

A primeira aparição da equipe naquela temporada foi no GP da África do Sul, onde a RAM compareceu com um carro apenas para o inexperiente Boy Hayje, da Holanda. O piloto largou em 21º e ficou na pista por 33 voltas, até sofrer um despiste e desistir.

gp_suecia_1977_003

Após saltar o GP dos EUA-Oeste, a equipe reapareceu em Jarama, na Espanha, com o segundo March inscrito para um desconhecido finlandês, chamado Mikko Kozarowitzky – e que sequer participou dos treinos. Hayje não se classificou, como previsto. Aliás, dos sete March que estiveram na pista, três ficaram de fora na ocasião. Em Mônaco, somente Hayje tentou a qualificação, sem sucesso. Com o 22º tempo, não obteve um lugar entre os 20 classificados.

Hayje07-RAM March 761

Em Zolder, Boy Hayje foi o 27º nos treinos oficiais e só pôde largar porque Brett Lunger fez forfait com o McLaren M23 da BS Fabrications. O holandês levou sete voltas do vencedor Gunnar Nilsson e chegou ao fim em 15º lugar. Foi a última corrida que ele disputou na Fórmula 1.

No GP da Suécia, os dois pilotos não se classificaram e a RAM nem compareceu em Dijon-Prenois, buscando uma melhor preparação para o GP da Inglaterra, em Silverstone. A corrida teve 40 pilotos na lista de inscritos e foi preciso uma pré-qualificação: Mikko Kozarowitzky e o britânico Andy Sutcliffe, que assumiu o posto de Boy Hayje, não avançaram para os treinos oficiais.

Hayje_at_1977_Dutch_Grand_Prix

A aventura do finlandês na categoria máxima terminou após mais um fracasso no GP da Alemanha. Hayje tentou se qualificar sozinho – sem sucesso – para o GP da Áustria e na Holanda, John McDonald socorreu-se de outro piloto da casa, Michael Bleekemolen, na esperança de ver pelo menos um de seus March na pista – totalmente reconfigurados com a adoção de uma nova dianteira, abandonando a seção limpa trilhos do 761. Nada feito. A aventura da RAM em 1977 foi dada como encerrada e a equipe ficaria um tempinho – três anos – fora da Fórmula 1. Mas isso é assunto para o próximo post.

Saudosas pequenas – ATS, parte I

ATS-logo-EBD7D0A2F2-seeklogo.comRIO DE JANEIRO – Sigla para Auto Technisches Spezialzübehor, a ATS é uma marca de rodas esportivas que teve seu nome ligado por algum tempo à Fórmula 1, pois seu fundador Günther Schmidt montou uma equipe que disputou a categoria máxima entre 1977 e 1984. Não confundir esta ATS com a Auto Tecnica Sport, de origem italiana e fundada por Carlo Chiti (sempre este homem fatal!) e Romolo Tavoni, ambos demitidos por Enzo Ferrari nos anos 60, de breve vida na categoria.

Pioneira na confecção e construção de rodas de liga leve para os modelos Porsche e Volkswagen, a ATS desenvolveu as primeiras rodas de liga leve de alumínio para os modelos Mercedes-Benz AMG, preparados pela empresa de Hans-Werner Aufrecht – as famosas rodas “penta”, de cinco porcas, se tornaram um ícone na Alemanha. Em paralelo a esta atividade frenética, sobrou tempo para Gunther Schmidt assumir o espólio europeu da Penske, e com ele iniciar a trajetória do time na Fórmula 1.

Ausente das três primeiras corridas do ano, disputadas respectivamente na Argentina, no Brasil e na África do Sul, a ATS fez sua estreia no GP dos EUA-Oeste, em Long Beach, com o chassi Penske PC4 de 1976, projeto de Geoff Ferris para o time de Roger Penske, que perdera o patrocínio do banco First National City para a Tyrrell e por isso a equipe estadunidense voltara para a USAC, precursora da Fórmula Indy.

11508426602551Com o PC4, Jarier largou em 9º e logo em sua primeira corrida com o bólido amarelo número #34, marcou o primeiro ponto da nova equipe. E mostrando o quanto a F-1 era competitiva naqueles tempos, o francês sequer conseguiu um lugar no grid para a corrida seguinte, em Jarama, na Espanha.

O desempenho de Jarier era de razoável para bom nos treinos, com direito a colocar o ATS Penske PC4 em 12º em Mônaco e na Alemanha, mas nas corridas os resultados eram apenas medianos, um pouco longe da zona de pontos. E num esforço hercúleo, Günther Schmidt preparou um segundo carro, para Hans Heyer, na corrida caseira do time, em Hockenheim.

77DE-A046A participação de Heyer a bordo do ATS merece ser lembrada. Ele não se classificou para a largada – aliás, nem o bicampeão mundial Emerson Fittipaldi – e era o terceiro reserva, aguardando por uma quebra ou acidente no warm up para poder largar. Com as desistências de Patrick Neve e Emilio de Villota, Hans Heyer alinhou o carro amarelo #35 no fundo do grid e arrancou junto com o resto do pelotão de 24 carros, achando que com a colisão entre Alan Jones e Clay Regazzoni ele teria direito de competir. Não tinha: Heyer incrivelmente chegou a andar na frente do March de Ian Scheckter e da McLaren M23 de Brett Lunger, antes de ser desclassificado.

A ATS continuou com dois carros até o GP da Itália: Hans Binder assumiu o volante e após o 6º lugar de Jarier em Long Beach, foi o responsável pelo segundo melhor resultado do time, com a oitava posição no GP da Holanda, em Zandvoort. A equipe decidiu não competir nas três últimas provas de 1977, para se preparar melhor com vistas ao campeonato de 1978.

1306421660_hs1-1978Para aquele ano, Günther Schmidt novamente não teve muito trabalho para a construção de um carro. A March estava encerrando suas atividades na Fórmula 1 e tinha o modelo 781 totalmente pronto. Não foi difícil para que o projeto de Robin Herd fosse rebatizado como o ATS HS1 e a equipe entrou no campeonato com dois carros, novamente para Jean-Pierre Jarier e o recém-chegado Jochen Mass, demitido da McLaren.

Nas primeiras quatro corridas do ano, os dois pilotos conseguiam lugares bastante razoáveis entre os classificados e os melhores resultados foram um 7º lugar de Mass em Jacarepaguá e um oitavo de Jarier, em Kyalami. Após o GP de Mônaco, onde os dois experientes pilotos não se qualificaram, Jarier teve uma discussão forte com Günther Schmidt e foi demitido.

O italiano Alberto Colombo, oriundo da Fórmula 2, pegou a vaga do “Jumper”, mas não foi feliz ao não se qualificar na Espanha e na Bélgica. Também foi despedido e entrou em seu lugar o finlandês Keke Rosberg, outro novato, também com passagem pela F-2 – e que vencera no mesmo ano de 1978 a Corrida dos Campeões, sob um temporal inclemente, a bordo de um Theodore, em Silverstone.

Com Mass e Rosberg a bordo, a ATS voltou a qualificar os dois carros, tendo o seu grande momento do ano no GP da Inglaterra, em Brands Hatch, onde Keke partiu do 22º lugar do grid e chegou a andar, surpreendentemente, na quarta posição, entre as voltas 40 e 48 e logo depois em quinto, até a 58ª volta, quando seu carro teve problemas e ele abandonou.

5786889660_f63b8d5a47_zA grande performance de Keke em Brands não sustentou o finlandês por muito tempo na equipe e Jarier pediu desculpas a Günther Schmidt para voltar no GP da Alemanha, não se qualificar, brigar de novo e ser novamente despedido! Esse francês não era fácil…

A ciranda de pilotos não parou: na Áustria, onde os dois HS1 não se qualificaram, o local Hans Binder voltou à equipe ao lado de Jochen Mass. Em Zandvoort, entrou o holandês Michael Bleekemolen e Mass, vítima de uma perna quebrada num teste, deixou a equipe antes do fim do campeonato. O folclórico Harald Ertl, de bigodes e barba imensos, reapareceu na Itália e não se classificou.

Enquanto o obsoleto HS1 continuava sua odisseia até o fim do ano nas mãos de Michael Bleekemolen, conseguindo enfim correr em Watkins Glen, a equipe apresentou o primeiro chassis “100% ATS”, o D1, um projeto de John Gentry e Gustav Brunner.

Este carro, pretensamente apontado como mais um modelo construído dentro da proposta de efeito-solo lançada pela Lotus, foi um equívoco só, porque radiadores, tanque de combustível e sistemas de escapamento estavam muito próximos, anulando o desempenho desejado.

Keke Rosburg in the ATS-Ford, During Qualifying for the US GP atApesar disto, Keke Rosberg ainda qualificou o D1 em 15º no grid da corrida de Watkins Glen, abandonando com uma quebra de câmbio. Em Montreal, com seguidos problemas, o finlandês terminou a corrida, mas não recebeu classificação por não ter completado o limite mínimo de voltas.

Na segunda parte da história da ATS, virão as temporadas de 1979 e 1980.