Outsiders: Stefan Bellof, aquele que poderia ter sido… e não foi

Bellof-sitzt_Diashow

RIO DE JANEIRO – Enquanto o mundo do automobilismo relembra Ayrton Senna e os 20 anos da perda monumental do brasileiro, no próximo ano os alemães certamente terão motivos para recordar um piloto que tinha tudo para ser o primeiro daquele país a brilhar na Fórmula 1. Não é falácia: é fato. Stefan Bellof era um talento nato e estava na mira de grandes equipes, antes do acidente que o levou com menos de 30 anos de idade.

bellof_kart

Nascido em 20 de novembro de 1957 em Giessen, na então Alemanha Ocidental, Bellof começou seguindo os passos do irmão mais velho, Geörg, logicamente nos karts, praticamente na mesma época que Ayrton Senna, que era pouco menos de três anos mais jovem, em 1973. Logo em seu primeiro ano, foi 4º colocado no Campeonato Alemão. Em 1976, Bellof levou o primeiro título internacional, com o troféu do International Karting Championship, no Grão-Ducado de Luxemburgo. O piloto disputou também o Mundial em Hägen, na Alemanha, e terminou na 13ª posição.

Bellof_Formula Ford 1600

Geörg foi campeão alemão de Kart em 1978 e dois anos mais tarde, era Stefan quem repetia o feito do mano mais velho. Porém, sua carreira nos monopostos já estava a todo vapor, na Fórmula Ford. Bellof estreara nessa categoria em 1979 com um 2º lugar em Hockenheim e no ano seguinte, o mesmo do título de Campeão Alemão de Kart, ele se consagraria Campeão Alemão de FF1600, com um total de oito vitórias e nove pódios em 12 etapas. Avassalador.

sb-rt3-81

No ano seguinte, seguiu na FF1600 na defesa do seu título, mas não foi feliz. Fez algumas provas de FF2000 e ainda em 1981 já estava na Fórmula 3, pela equipe de Bertram Schäfer. Mesmo sem disputar as duas primeiras provas daquela temporada, chegou à última etapa com sete pontos de vantagem sobre Frank Jelinski e Franz Konrad, seus rivais na briga pelo título. Fracassou na prova decisiva em Nürburgring e ainda terminou o campeonato em 3º lugar, atrás do campeão Jelinski e do vice Konrad, derrotado por onze pontos.

Para fechar o ano, Stefan voltou à Fórmula Ford e fez uma aparição polêmica no Festival Mundial de Brands Hatch. Acabou excluído de uma das baterias de quartas-de-final, na qual terminara em 6º lugar por “excesso de arrojo”. O piloto fez uma promessa, logo após a desclassificação, ao chefe dos comissários.

“Acompanhe melhor a minha carreira. Estarei aqui de volta à Inglaterra, no ano que vem. E vou vencer minha primeira prova de Fórmula 2”.

bellof-maurer1

Tanta confiança veio quando Eje Elgh, 3º colocado da Fórmula 2 Europeia em 1981, ficou impressionado com Stefan após o primeiro teste do piloto alemão com um carro da categoria. Em Paul Ricard, na França, Bellof tivera a chance de experimentar um modelo Maurer-BMW em confronto com Alain Ferté e Mike Thackwell. Willy Maurer gostou do que viu e ouviu. Tanto que fechou um contrato com Bellof para que o alemão integrasse sua equipe na Fórmula 2 e também mais um compromisso: Maurer seria, também, o empresário do piloto por um período de oito anos.

be11

A abertura do Europeu de F-2 em 1982 foi mesmo na Inglaterra, no circuito de Silverstone. Mesmo largando da 9ª posição do grid, Stefan cumpriu a promessa ao comissário de Brands e venceu com 21 segundos de margem para Satoru Nakajima, este a bordo de um March-Honda da equipe de Tetsu Ikuzawa. Não satisfeito, Bellof ganhou também a 2ª etapa, o Jim Clark Memorial Trophy, diante de uma legião de torcedores em Hockenheim, por apenas quatro segundos sobre o belga Thierry Boutsen, com um Spirit-Honda.

Em Thruxton, o piloto bateu logo na primeira volta, envolvido numa colisão com Thierry Tassin e Roberto Del Castello. Foi 5º colocado em Nürburgring, sétimo em Mugello, abandonou em Vallelunga, chegou em nono no circuito francês de Pau e bateu em Spa. Tudo isso antes de voltar ao pódio com um 3º lugar em Hockenheim, na 9ª etapa do campeonato.

Stefan_Bellof_Galerie_online_16

O piloto ainda seria sexto em Donington, na Grã-Bretanha, abandonando em Mantorp Park. Com um 2º lugar em Enna-Pergusa e a quinta posição em Misano Adriático, Bellof somou um total de 33 pontos e acabou o campeonato em quarto lugar. Uma excelente temporada para um estreante como ele.

Em paralelo com a F-2, o jovem piloto, então com 24 anos, estreou no World Sportscar Championship, o Mundial de Carros Esporte. Com um Kremer CK5, o piloto disputou os 1000 km de Spa-Francorchamps. A dupla andou bem até abandonar na 51ª volta com problemas no motor de arranque do protótipo. Na semana anterior, o piloto disputara a Hessen Cup em Hockenheim pelo DRM, certame que tornou-se o embrião do DTM.

2246378199_7ef2ea5e27_z

Na temporada de 1983, Stefan seguiu com a Maurer para mais uma temporada de 1982, ao mesmo tempo em que se consolidava como uma das apostas da Porsche para o World Sportscar Championship. Em sua primeira corrida com um Rothmans Porsche 956C, venceu em dupla com Derek Bell os 1000 km de Silverstone – com mais de um minuto de vantagem para Stefan Johansson/Bob Wollek.

Cabe, aliás, uma curiosidade: o tempo da pole de Bellof – 1’13″15, teria classificado o piloto alemão no 12º lugar no grid do GP da Inglaterra de Fórmula 1 em 1981, lá mesmo em Silverstone. Logo depois, o piloto registraria outra marca histórica: no circuito de Nürburgring, em pleno Nordscheleife, Stefan detonou os cronômetros e registrou a volta mais rápida da história da pista – 6’11″13, sendo o primeiro a obter a média horária acima dos 200 km/h no desafiador circuito de 183 curvas e quase 23 km de extensão. Em ritmo de prova, o tempo de 6’25″91 é também o recorde absoluto do Ring. Mas na corrida, Bellof se estatelou na curva Pflanzgarten, abandonando a prova.

O piloto venceu também em Kyalami e em Fuji, no Japão, resultados que deixaram-no em 4º lugar ao fim do campeonato do WSC em 1983.

303589329_fb5e5aa5dc_z

Na Fórmula 2, os resultados de Bellof não foram tão brilhantes: chegou em 4º em Silverstone e em segundo no circuito de Jarama, na Espanha. Na prova de rua realizada em Pau, acabou em 3º lugar, mas foi desclassificado. Aliás, ele e seu companheiro de equipe Alain Ferté: os dois Maurer-BMW estavam fora do regulamento, abaixo do peso mínimo limite. Bellof acabou num modesto 9º lugar, com nove pontos.

1983stefanbellofmclarenla8

O fim do ano de 1983 representou o primeiro contato do piloto com um Fórmula 1. Na verdade, a estreia dele vinha sendo ‘ensaiada’ com constantes boatos da aparição do nome de Bellof na lista de inscritos de várias provas. ATS e McLaren cogitaram oferecer cockpits ao jovem piloto e nesta última, pelas ligações de Stefan com a Porsche, teoricamente as chances eram melhores para o futuro.

Tanto ele quanto campeão e vice da Fórmula 3 inglesa – Ayrton Senna e Martin Brundle – foram agraciados com um teste a bordo de um McLaren MP4/1C-Cosworth. Senna fez seu papel e Bellof, que veio logo depois do brasileiro, quebrou o câmbio do carro, antes que Martin Brundle efetuasse suas primeiras voltas.

Tyrrell driver Stefan Bellof with teamboss Ken Tyrrell

No entanto, a equipe que oferecia a Bellof a chance de estrear na F-1 seria a Tyrrell. O time britânico experimentava um lento processo de decadência e em 1984, a equipe era uma das únicas que ainda apostava nos motores Cosworth V-8, que tinham cerca de 150 HP a menos em relação às unidades com turbocompressores.

8562802740_a154971a4b_z

A temporada não começou bem para o piloto alemão, com abandonos nos GPs do Brasil e da África do Sul. Apesar da deficiência do equipamento e do chassi 012, defasadíssimo em relação aos adversários, Bellof conseguiu chegar em 5º lugar no GP da Bélgica, em Zolder. Após mais um abandono em Dijon, no GP da França, veio Mônaco.

bellofmonaco1984c

Último no grid, ele passou em décimo-primeiro ao fim da primeira volta. É bem verdade que as duas Renault de Patrick Tambay e Derek Warwick bateram e outros pilotos tiraram o pé. Mas nada exclui os méritos de Bellof, que fez uma corrida tão extraordinária quanto a de Ayrton Senna.

1957112000

Na fatídica 31ª volta em que a corrida foi encerrada, o piloto da Tyrrell estava a 21 segundos do líder Alain Prost e a 13.7 de Ayrton Senna. O 3º lugar deu a Bellof mais dois pontos, porque os mesmos foram computados pela metade, uma vez que a prova não chegou a 75% de sua distância para pontuação integral.

Após dois abandonos consecutivos na perna da América do Norte e o 2º lugar de Brundle em Detroit, Bellof acabou vítima de uma falcatrua da equipe Tyrrell: o uso de lastro no tanque de combustível, que fazia o carro ter, na verdade, 80 kg a menos que o permitido no regulamento. Com o tanque vazio, o modelo 012 ficava mais veloz e consequentemente mais estável. E já desde o GP do Brasil havia desconfianças acerca da legalidade dos carros do time, pois Brundle, em determinado momento da prova, parou para reabastecer o carro com… água.

A Tyrrell apelou da eliminação do campeonato e conseguiu dar sequência à temporada: participou normalmente nos GPs de Dallas, Inglaterra e Alemanha, no qual Bellof ausentou-se por um compromisso com a Porsche no World Sportscar Championship em Mosport, no Canadá. Na Áustria, Bellof não conseguiu a classificação e em Zandvoort, o piloto e a equipe disputaram sua última prova em 1984: no intervalo entre o GP da Holanda e a etapa da Itália, a Corte de Apelação da FIA anunciou a exclusão definitiva da Tyrrell do Mundial de Construtores, do restante do campeonato e a cassação dos 12 pontos somados por seus pilotos – oito por Brundle e quatro por Bellof.

a_Spa-1984-09-02-002bellof

Se na F-1 Bellof acabou prejudicado, no WSC ele foi o melhor piloto do ano. Revezando-se a bordo dos carros da Rothmans Porsche e da Brun Motorsport, o alemão consagrou-se campeão mundial de pilotos do World Sportscar Championship. Venceu em Monza sob grande controvérsia (o carro dele e de Derek Bell estaria fora do peso na vistoria) e também em Nürburgring, Spa-Francorchamps, Mosport e Sandown Park. Levou o título por oito pontos sobre o compatriota Jochen Mass e ajudou na conquista da Porsche entre os construtores.

Não satisfeito, Bellof fechou o ano com mais um caneco: levou o título do DRM com três vitórias e duas pole positions. Também venceu em sua única aparição no Campeonato Japonês de Esporte-Protótipo. Ao todo, foram 16 corridas fora da Fórmula 1 e nada menos que nove vitórias no currículo.

Bellof 6

Bellof renovou com a Tyrrell para o Mundial de 1985 e manteve o vínculo com a Porsche para o WSC, através da Brun Motorsport. A despeito de não competir no GP do Brasil, em Jacarepaguá, fez uma grande corrida no Estoril, mais uma vez mostrando suas qualidades em condições adversas. No toró da prova portuguesa, o alemão largou de 21º e terminou em sexto, somando enfim o primeiro ponto dele para valer na Fórmula 1.

Àquela altura, seu nome começava a ganhar força como o novo piloto da Ferrari para a temporada de 1986. Nas provas seguintes, abandonou em San Marino, não correu em Mônaco e foi 11º colocado no Canadá. No GP dos EUA, em Detroit, mesmo com o carro danificado, Bellof deu um show e chegou em quarto. Nas últimas oportunidades em que competiu com o Tyrrell-Cosworth, ainda foi o 13º na França e 11º na Inglaterra.

854bellof014rendut01

A Tyrrell costurou um acordo com a Renault e na segunda metade do campeonato, seus carros teriam motores turbo. O modelo 012 foi reformulado, recebendo um reforço no chassi para suportar a potência monstruosa dos motores franceses, especialmente em classificação. No GP da Alemanha, Bellof estreou a Tyrrell-Renault em Nürburgring, chegando em oitavo. E foi sétimo no GP da Áustria, antes de abandonar no GP da Holanda, em Zandvoort.

O piloto não podia imaginar que aquela seria sua última corrida de Fórmula 1.

FIA World Endurance Championship

Nos finais de semana em que as provas não coincidiam, Bellof se juntava a Thierry Boutsen na condução do Brun Porsche 956C durante a temporada de 1985 do World Sportscar Championship. Os 1000 km de Spa-Francorchamps, em 1º de setembro de 1985, seriam a quarta aparição do piloto na competição.

A dupla largara da 3ª posição, oito décimos atrás do Lancia LC2 pole position e na altura da 78ª volta, Bellof, que assumira a pilotagem no lugar de Boutsen, lutava contra o ídolo local e lenda da Endurance Jacky Ickx pela liderança da corrida. Os dois seguiram da La Source em direção à reta que leva ao complexo Eau Rouge-Raidillon, com Ickx à frente de Bellof. O piloto tentou a ultrapassagem num dos pontos mais perigosos da pista e o belga não cedeu. O resultado…

Após o acidente, houve incêndio no Porsche de Bellof e os comissários e a equipe de resgate trataram de entrar em ação. Mas não havia nada que pudesse ser feito: aos 27 anos, em decorrência de inúmeras lesões internas, Stefan Bellof morrera. Em respeito ao ocorrido, a prova foi encerrada com 150 km por percorrer.

be7

A morte prematura de Bellof não foi a única daquele ano no WSC: Manfred Winkelhock fora vítima de um estouro de pneu a alta velocidade no circuito de Mosport, perdendo o controle do carro e também a vida, igualmente a bordo de um Porsche 956. Após estas tragédias, cada vez menos pilotos de Fórmula 1 continuaram se revezando entre os monopostos e os protótipos.

bellof-eyes-helmet-dutch-85-sign

Foi uma pena que uma carreira tão promissora tenha se encerrado de forma tão abrupta, tão trágica. E pensar que Bellof era o ídolo de infância de um certo Michael Schumacher que, talvez inspirado por seus feitos nas pistas, ficou então com o posto de maior promessa alemã – tornado realidade com sete títulos e anos de serviços prestados à Ferrari.

Podia ter sido diferente…

Outsiders: John Marshall Watson

watkinsglen738

RIO DE JANEIRO – Ele foi um dos muitos pilotos que deram trabalho na Fórmula 1 durante os anos 70 e 80. Era veloz e eficiente, mas parecia ter a má-sorte ao seu lado. Trabalhou em algumas das maiores equipes da história, compôs dupla com grandes pilotos e hoje é um respeitado comentarista. Refiro-me ao norte-irlandês John Marshall Watson, que entre 1972 e 1985 esteve na categoria máxima do automobilismo.

eifelland04

Nascido em Belfast, em 4 de maio de 1946, John chegou à Fórmula 1 em 1972. Naquele ano, dirigia para a equipe Hexagon de John Goldie e sua primeira aparição foi com um March 721-Cosworth (que era o antigo Eiffeland) na Victory Race em Brands Hatch, prova esta que homenageou o título mundial de Emerson Fittipaldi. No ano seguinte, fez sua primeira aparição oficial com um velho Brabham BT37 alinhado pela Motor Racing Developments no GP da Inglaterra em Silverstone. Abandonou com problemas de combustível na 36ª volta. Já na última prova do ano, em Watkins Glen, reapareceu já a bordo de um BT42. Sua sorte não mudou muito: o motor quebrou logo no início.

john_watson__monaco_1974__by_f1_history-d5zh6c7

Em 1974, John Goldie renovou a confiança no norte-irlandês e conseguiu um Brabham BT42 de segunda mão, com que Watson começou a temporada chegando em 12º lugar no GP da Argentina. O piloto marcou seu primeiro ponto na Fórmula 1 em Mônaco, em sua 8ª corrida apenas: chegou em sexto, dando muito trabalho a Emerson Fittipaldi, que cruzou a linha de chegada imediatamente à sua frente.

Após terminar seis corridas consecutivas com o BT42, John Goldie fez um acordo com a Brabham e recebeu um chassi BT44. Com ele, Watson impressionou e fez um 4º lugar no GP da Áustria. Bernie Ecclestone não hesitou em confiar-lhe um carro do time de fábrica nas provas restantes do campeonato – ainda que inscrito pela John Goldie Racing with Hexagon e equipado com pneus Firestone, menos eficientes que os Goodyear.

0YX3FbD

Em Monza, conseguiu um excelente 4º tempo no grid, mas faltou fôlego na corrida e ele chegou em sétimo. Foi ainda 5º colocado no GP dos EUA em Watkins Glen, marcando seis pontos no Mundial de Pilotos. Nada mal – mesmo – para um piloto que defendia uma equipe particular e não tinha equipamento competitivo.

3FB

Sem chance na Brabham e com o fim da John Goldie Racing, Watson tirou partido da morte trágica do austríaco Helmut Köinigg para ser efetivado como o único piloto do Team Surtees. A temporada de 1975 foi bastante infeliz: Watson só conseguiu terminar sete vezes e seu melhor resultado foi o 8º lugar no GP da Espanha. Na verdade, ele até conseguiu um 2º posto ao longo do ano – mas foi na Race Of Champions, evento extracampeonato.

7555510

Contudo, a Surtees não foi a única equipe para quem guiou naquele ano. John Watson fez o GP da Alemanha com a Lotus 72F e participou do GP dos EUA com o Penske PC2 Cosworth, substituindo Mark Donohue – morto após acidente sofrido em Zeltweg, na Áustria. O piloto largou em 12º e chegou na nona posição. Seu desempenho, sóbrio e eficiente, atraiu a atenção de Roger Penske, que lhe ofereceu o lugar fixo para o campeonato de 1976.

d9f819a5

Perto dos 30 anos, Watson precisava de uma temporada positiva, para se afirmar na Fórmula 1. E fez uma aposta: conhecido no paddock por ostentar uma vasta barba, o piloto afirmou que se livraria dela caso conquistasse sua primeira vitória num Grande Prêmio.

De saída, John começou bem com o Penske PC3 (um March 751 adaptado): foi 5º colocado no GP da África do Sul, em Kyalami. Mas as coisas melhorariam quando o novo carro, dentro do regulamento que estreou em 1º de maio de 1976, ficou pronto. O PC4, projeto de Geoff Ferris, não andou bem no GP da Suécia, em Anderstorp. Só que Watson emplacou o primeiro pódio com o 3º lugar no GP da França e outro, na sequência, na Inglaterra.

O piloto vivenciou a experiência ingrata de salvar o austríaco Niki Lauda das chamas que consumiram a Ferrari do então líder absoluto do campeonato após um acidente violentíssimo no GP da Alemanha, em Nürburgring. Watson recorda no livro Corrida para a Glória, de Tom Ruybthon, que descansou a cabeça do piloto, seriamente queimado, em suas pernas, antes que o socorro chegasse. Lúcido ainda, apesar da gravidade da situação, Lauda conversou em inglês com o piloto da Penske. Por piedade, Watson negou-lhe dizer as consequências do fogo que atingiu seu rosto, parte do corpo e pulmões, os mais afetados pelos gases tóxicos inalados por Lauda, que cometeu a imprudência de retirar seu capacete após a batida.

Formula One World Championship

Com Lauda de fora, Watson contribuiria para deixar o austríaco ainda seguro em relação ao rival James Hunt, justamente na terra natal do piloto da Ferrari. Com uma atuação magistral no circuito de Zeltweg, o norte-irlandês largou da 4ª posição para superar o piloto da McLaren e vencer enfim pela primeira vez na Fórmula 1. A promessa podia ser cumprida: Watson raspou, lá mesmo no Österreichring, a imensa barba. Talvez como a libertação de um fardo pesado em sua carreira.

Nas cinco corridas finais, todavia, o piloto conseguiria apenas um 6º posto no GP dos EUA-Leste, em Watkins Glen. Acabou o ano num mais do que razoável 7º lugar no Mundial, com 20 pontos. Só que Roger Penske acabou com a brincadeira e deixou seu piloto a pé. Não por muito tempo…

john_watson__belgium_1977__by_f1_history-d6rnw90

Antes do fim do ano, Watson assinou com a Brabham. Ecclestone precisava de um substituto para o argentino Carlos Reutemann e não hesitou em escolher o norte-irlandês para um contrato de dois anos – 77 e 78. Ele solidificou sua reputação de piloto extremamente veloz em qualificação, largando em sete oportunidades entre os três primeiros. Mas foi acometido pelos proverbiais problemas mecânicos dos propulsores Alfa Romeo e por uma incrível má sorte, que lhe roubou a vitória no GP da França, em Dijon-Prenois, a 300 metros da chegada. Terminou entre os seis primeiros somente em mais outras duas corridas e chegou ao fim do campeonato em 13º lugar, com nove pontos.

john_watson__great_britain_1978__by_f1_history-d5f0vca

No ano seguinte, Watson teve a oportunidade de trabalhar ao lado de Niki Lauda, que levara para a Brabham o número #1 do bicampeonato mundial conquistado em 1977. Por três vezes, John conseguiu ser mais veloz que Niki, com direito a uma pole position no GP da França, em Paul Ricard. Foi ao pódio três vezes, com o 2º posto no GP da Itália e dois terceiros, em Kyalami e Brands Hatch. Acabou em 6º, com 24 pontos no Mundial de Pilotos e já contratado pela McLaren para o campeonato de 1979.

Naquele ano, inclusive, o companheiro de equipe de John Watson seria o sueco Ronnie Peterson. Mas este morreu após um acidente grave no GP da Itália e o francês Patrick Tambay, que perderia a vaga, ficou para mais uma temporada. Ironicamente, a tragédia com o sueco colocou Barbro, viúva de Ronnie, no caminho de John Watson. A morte do primeiro marido fez com que a linda sueca jamais pisasse num autódromo, mesmo após começar um relacionamento com outro piloto – no caso, o próprio John Watson.

mc7902

A McLaren foi a equipe em que Watson permaneceu por mais tempo – e ele foi o único que competiu nas duas administrações mais recentes do time. Em 1979/80, o piloto era chefiado por Teddy Mayer, no período de vacas magérrimas onde o melhor resultado foi apenas um 3º lugar no GP da Argentina, no primeiro ano de John no time. A temporada seguinte foi ainda pior: o piloto não se classificou para o GP de Mônaco e o saldo foi de apenas seis pontos, fruto de dois quartos lugares nos EUA-Long Beach e Canadá.

Veio Ron Dennis, que assumiu a organização e reestruturou o time com a sua Project Four comprando a equipe e usando o dinheiro da Marlboro para tal empreitada. Watson não era um piloto “caro”. Seu salário não era dos mais altos – afinal – era um piloto com 34 para 35 anos e tido como veterano na Fórmula 1. Mas ele mostraria muito fôlego ao longo do campeonato de 1981.

1981F1Holland0McLarenMP4-1_John_Watson

A ele, foi confiado o primeiro carro construído inteiramente em estrutura de fibra de carbono para a categoria máxima. Projeto de John Barnard com tecnologia aeroespacial by Hercules, o McLaren MP4 estreou no GP da Argentina e Watson conquistou o primeiro pódio do novo carro após quatro corridas – foi 3º colocado no GP da Espanha, em Jarama.

De forma espetacular, o piloto cravou a pole no GP da França, em Dijon-Prenois, mas foi superado na largada por um inspirado Nelson Piquet. Essa é a famosa corrida da tromba d’água que interrompeu a disputa, dividiu-a em duas metades e depois Prost atropelou e venceu. Watson não quis nem saber: foi 2º e Piquet, visivelmente irritado, chegou em terceiro.

E veio o dia 18 de julho de 1981. GP da Inglaterra, circuito de Silverstone. Havia quatro anos, desde 1977, que um piloto britânico não ganhava a prova em seus domínios. O último fora James Hunt, da mesma McLaren que John Watson defendia naquele ano.

mclaren-sp-0207124

Largando em quinto, Watson teve muita sorte no começo: por um triz, ele não se envolveu no acidente provocado por – sempre ele! – Gilles Villeneuve na chicane Woodcote, que levou de roldão o italiano Andrea de Cesaris e o australiano Alan Jones. Com o estouro de um pneu da Brabham de Nelson Piquet e a quebra da Renault de Alain Prost, Watson assumiu o segundo lugar na 18ª volta de um total de 68 previstas.

Por lá, o piloto permaneceria até faltarem menos de 15 voltas para a quadriculada, comboiando o líder René Arnoux, na outra Renault Turbo. Ocorre que o público e a equipe McLaren perceberam que havia algo errado no carro do francês. Os urros da torcida eram audíveis mesmo dentro do cockpit, com proteção auricular e balaclava. A energia no ar foi o combustível para que Watson reduzisse a diferença rapidamente para Arnoux, que reduzia seu ritmo a cada volta. Na 60ª passagem, o norte-irlandês passou o rival e assumiu a liderança. Delírio em Silverstone.

Cinco anos depois do GP da Áustria de 1976, John Watson conquistava sua segunda vitória na Fórmula 1. A equipe não ganhava nada desde o GP do Japão de 1977. E o triunfo foi histórico, porque marcou a primeira conquista de um carro construído em fibra de carbono.

Até o fim do ano, o piloto pontuaria mais três vezes, não sem antes passar por um grande susto: no GP da Itália, John rodou na saída da segunda de Lesmo e bateu violentamente no guard-rail. Sua McLaren partiu-se ao meio e o motor do carro atingiu a Tyrrell de Michele Alboreto. Watson saiu dos destroços sem um único arranhão, limpando apenas a poeira do macacão.

No fim do ano, saldo mais do que positivo: 6º lugar no Mundial de Pilotos com 27 pontos e contrato renovado por mais duas temporadas, em que Watson dividiria a McLaren com o velho amigo Niki Lauda, que retornava após uma aposentadoria voluntária, antes do fim do campeonato de 1979.

johnwatson_mclaren-cosworth_detroit_1982

O que Watson ganhava não chegava aos pés do salário de Lauda, que com US$ 3 milhões/ano, era o mais bem-pago da Fórmula 1. Mas foi o norte-irlandês que fez uma bela temporada e quase se consagrou campeão do mundo. Com cinco pódios e duas vitórias, John empatou em pontos com Didier Pironi, somando 39 pontos – cinco a menos que Keke Rosberg – e perdendo o vice para o francês porque tinha um número de terceiros lugares menor que o do rival. A sequência de três abandonos em Brands Hatch, Paul Ricard e Hockenheim cobrou a conta.

1345108677

Uma das vitórias de John Watson entrou para a história: foi na estreia do circuito citadino de Detroit. O piloto largou da 17ª posição e numa pista apertada, deu um show. Mas nada, nada mesmo comparado ao que ele e Lauda fariam no GP dos EUA-Oeste em Long Beach, 1983.

john_watson__united_states_1983__by_f1_history-d5mf9a1

Partindo de 22º e 23º, respectivamente, Watson e Lauda engoliram os adversários e conquistaram uma dobradinha espetacular, de tirar o chapéu. Por coincidência, foram as posições que os dois ocupavam ao fim do primeiro treino oficial do GP de Mônaco. Só que choveu na segunda sessão – e como o grid só permitia 20 carros, os dois ficaram fora da prova.

Até o fim daquela temporada, Watson ainda marcou mais dois pódios: foi 3º em Detroit e em Zandvoort, na Holanda. Com o motor TAG-Porsche à disposição nas provas finais, não terminou nenhuma das provas. E sem contrato renovado e perspectivas de trabalho para 1984, o norte-irlandês, já com 37 anos, deixou a Fórmula 1 como piloto titular.

1985johnwatsontolemantgsm7

Após um ano sabático, Watson foi chamado pela Toleman para ajudar no programa de testes do modelo TG185, visando o Mundial de 1985. Ele e o sueco Stefan Johansson andaram com o carro equipado com motor Hart Turbo e calçado por vários diferentes fornecedores de pneu – Goodyear, Michelin, Pirelli e Avon. O veterano piloto parecia a natural da equipe quando houvesse a chance de um contrato de fornecimento de pneus. Mas a Benetton entrou como patrocinadora e sócia, impôs Teo Fabi e assim Watson não voltou à Fórmula 1 como titular, nem mesmo quando o time pôde ter condições de alinhar um segundo carro, que ficou com Pier Carlo Ghinzani.

Cabe aqui um parêntese: a Toleman trocara a Pirelli pela Michelin no correr de 84, os italianos ficaram possessos e negaram uma cota à equipe. A Michelin desistira da categoria e fornecer pneus para o time não estava nos planos da Goodyear. Fecha parêntese.

6311699371_9933e5f7b8

Durante os treinos do GP da Bélgica, que voltava a Spa-Francorchamps naquele mesmo ano de 1985, a fragilidade física de Niki Lauda falou mais alto. O piloto bateu numa barreira de proteção e fraturou um pulso, sendo impedido de competir. O austríaco foi vetado para o GP da Europa, que seria em Brands Hatch. Ron Dennis lembrou do velho contratado e Watson foi chamado, para uma despedida, a bordo do carro número #1, que ele nunca tivera a chance de guiar na Fórmula 1.

Durante os treinos classificatórios, em que o piloto ficou com a 21ª colocação no grid, Watson impressionou-se em particular com um nome em especial: Ayrton Senna. “Era como se ele tivesse quatro mãos e quatro pernas. Freava, trocava de marcha, girava o volante, bombeava o acelerador e o carro parecia estar no fio da navalha, à beira do descontrole”, disse. 

Certo que seu tempo na Fórmula 1 estava encerrado, Watson retirou-se após 157 GPs disputados, com cinco vitórias, duas pole positions, cinco recordes de volta em prova, 20 pódios, 169 pontos somados e 287 voltas na liderança, num total de 1.238 km na frente do pelotão em mais de 34 mil km percorridos entre 1973 e 1985.

Naquela altura, uma nova tragédia se desenhara no caminho de John Watson e no de Barbro, com quem se relacionava. A sueca sofria de enormes crises depressivas e o norte-irlandês, que já recusara uma oferta da Lotus para continuar na Fórmula 1 como titular em 1984, abandonara momentaneamente a carreira – mas não prometera à namorada que a aposentadoria era definitiva (como de fato não foi). Num ato de completo desespero, Barbro Edwardsson suicidou-se diante da filha que tivera com Ronnie Peterson.

A morte de Barbro talvez tenha feito John Watson envelhecer anos por dentro e por fora, assim como outra tragédia, envolvendo o velho amigo Heinz Höfer, o braço direito de Roger Penske que trabalhou com o norte-irlandês na Fórmula em 1976. Certo é que o remédio para não enlouquecer de vez era voltar às pistas e o piloto assinou com a BMW North America para voltar às provas de Esporte-Protótipo, que disputara de forma esporádica nos anos 70 e pelo começo da década de 80.

86-BMW-March-GTP-num18-DV-12-MH-01

Em 1986, ele guiou o March BMW 86G na série IMSA ao lado de David Hobbs, conquistando um 4º lugar em Portland e uma nona posição nas 3 Horas de Daytona. No ano seguinte, fechou com Tom Walkinshaw e ingressou na equipe TWR-Jaguar no Mundial de Carros Esporte (WSC). Venceu em Jarama, foi 2º em Silverstone e Spa-Francorchamps e terceiro em Brands Hatch.

Le_Mans-1987-06-14-005

Ainda pela TWR-Jaguar, dividiu-se entre IMSA e WSC em 1988, com três pódios: 2º em Road Atlanta, 3º em Jarama e Daytona. Acabou transferindo-se para a Toyota, conquistando apenas um 10º lugar em Donington Park. Em 1990, chegou em 11º nas 24 Horas de Le Mans a bordo de um Porsche da Richard Lloyd Racing e fez sua última prova como profissional em Montreal, num Toyota 90 C-V.

johnwatson

No ano seguinte, John Watson sentiu de novo o gostinho de voltar a conduzir um Fórmula 1. Seduzido por uma proposta de Eddie Jordan, o veterano norte-irlandês, então com 44 anos, foi o piloto que desenvolveu durante todo o inverno o modelo 191 (que no início era batizado de 911) com o qual a Jordan estrearia na categoria máxima. Watson mostrou a velha verve e deu dicas valiosas para o carro, que seria conduzido por Andrea de Cesaris e Bertrand Gachot no início do campeonato de 1991.

maxresdefault

A partir de 1990, quando encerrou a carreira em definitivo, Watson começou o trabalho de comentarista. Transmitiu dezenas de provas de Fórmula 1 pela Eurosport, antes do fim do contrato do canal com a Formula One Management (FOM). Transferiu-se para a BBC, comentando as provas do British Touring Car Championship (BTCC), antes de voltar a trabalhar com a Fórmula 1, o que demoraria pouquíssimo tempo. Desde 2010, no entanto, o norte-irlandês é visto em diversos autódromos da Europa, onde com classe e desenvoltura, comenta as provas das categorias organizadas por Stéphane Ratel: FIA GT, FIA GT3, Blancpain Endurance Series e Blancpain Sprint Series, tendo como parceiro o narrador Jack Nicholls.

Outsiders: Jean-Pierre Jabouille, o operário-padrão da Renault

Jean-Pierre-Jabouille

RIO DE JANEIRO – Poucos pilotos na história do automobilismo representaram tanto uma marca quanto Jean-Pierre Jabouille. Quando se fala em Renault, o nome do francês é um dos que vêm imediatamente na mente – muito embora ele também tenha guiado também para a rival Matra e, já no fim da carreira, pela Peugeot. Por sua dedicação extrema ao que sabia fazer de melhor, cabe ao blog biografá-lo como um dos outsiders do esporte.

5525507215_736a114be0_b

Nascido em 1º de outubro de 1942 na capital Paris, Jabouille era engenheiro mecânico de formação, o que lhe foi muito útil durante toda a sua passagem nas diferentes categorias em que competiu. Sua primeira aparição a bordo de um monoposto foi em 1967, na Fórmula 3, onde além de desempenhar o papel de piloto, era também o responsável pela preparação do seu próprio carro. Acabou vice-campeão em 1968, atrás de François Cévert.

Antes dessa experiência, Jean-Pierre já tinha estreado em corridas de Endurance. Disputou os 1000 km de Paris e de Monza em 1966 com Jean-Louis Marnat, conseguindo apenas um 26º lugar na corrida caseira como melhor resultado. Nos anos seguintes, guiou um Ford GT40 nos 1000 km de Paris e também um Alpine A220 em dupla com Jean Guichet nas 24 Horas de Le Mans de 1968.

Alpine A220 Monza 69

Em 1969, ele assinou com a marca de Dieppe para colaborar no desenvolvimento do Fórmula 2 com a griffe Alpine e com os protótipos do Mundial de Marcas. Em dupla com Patrick Depailler, terminou em 6º nos 1000 km de Monza e abandonou nas 24 Horas de Le Mans. Contudo, o contrato durou apenas um ano e Jabouille foi respirar outros ares em 1970.

5000532695_1c7b1c0741_b

Não foi um ano dos mais profícuos: na Fórmula 2, ele encarou o Pygmée MDB15 construído por Marius Dal Bo e conseguiu apenas um oitavo lugar em Enna-Pergusa, na Sicília. Como vários pilotos graduados terminaram à sua frente, ele marcou dois pontos e acabou o campeonato em 16º lugar. Nas provas de longa duração, salvou-se um 2º lugar nos 1000 km de Paris, em dupla com José Maria Juncadella numa Ferrari 512 da Escudería Montjuich. Em Le Mans, ele e Depailler não terminaram, com problemas de câmbio na Matra MS650 #30.

Em 1971, numa temporada absolutamente nula a bordo do Tecno TF71 com três desclassificações em quatro corridas que tentou competir na F-2, Jabouille optou por enfatizar sua participação no Europeu de Protótipos 2 litros. Com o Lola T212 da equipe de Karl Von Wendt, venceu em Paul Ricard ao lado de Helmut Marko. Nas 24 Horas de Le Mans, abandonou de novo a bordo de um Matra MS660 dividido com Chris Amon e Jean-Pierre Beltoise.

A aventura do francês prosseguiu na Fórmula 2 com a equipe de John Coombs, revezando-se ao volante de um March 722 e também do Elf 2, com que fez apenas um 9º lugar em Salzburgring, na Áustria e um décimo em Hockenheim, na Alemanha. A bordo do March, foi segundo em Mantorp Park, na Suécia. Acabou em 14º no campeonato, com sete pontos. Em 1973, fez apenas três pontos, ainda pela Elf Coombs Racing e nas 24 Horas de Le Mans, chegou em terceiro lugar ao lado de Jean-Pierre Jaussaud.

2 (1)

No ano de 1974, Jabouille assinou com a Renault para guiar o protótipo Alpine A441 no Europeu de Protótipos 2 litros. Aos 32 anos, o experiente piloto venceu três corridas, em Nogaro, Misano Adriático e Jarama, ajudando a Alpine a ser campeã entre os construtores. E de novo foi 3º colocado nas 24 Horas de Le Mans ao lado de François Migault.

1974-9-2

Na Fórmula 2, veio a primeira vitória em Hockenheim, a bordo de um Elf 2 com motor BMW, numa temporada onde conseguiu o 4º lugar do campeonato, com 20 pontos. E de repente, o piloto começou a ser lembrado para finalmente guiar um Fórmula 1.

74-FW01_WilliamsRacing_jabouille_fra

Frank Williams ofereceu-lhe um Iso-Marlboro para o GP da França em Dijon-Prenois, mas Jabouille não se classificou para a corrida. Com a saída de José Carlos Pace do Team Surtees, sobrou um cockpit e Big John o chamou para tentar a sorte no GP da Áustria, não se classificando de novo.

MH9923-Edit

Os maus resultados na Fórmula 1 não mancharam a reputação de Jabouille com os franceses e ele continuava em alta com seus compatriotas, principalmente na F-2 e no Mundial de Marcas. Com o Alpine-Renault A441, venceu os 1000 km de Mugello e a bordo do A442, foi 3º em Monza e quarto em Nürburgring. Na Fórmula 2, ganhou em Salzburgring, foi segundo em Pau e terceiro em Nogaro e chegou em quinto no Europeu, com 24 pontos.

2238828939_43dedc4418_z

No ano de 1975, ele voltaria a ter uma chance de estrear na Fórmula 1. A Tyrrell, por interferência da Elf, lhe ofereceu um terceiro carro para correr em Paul Ricard. Sem fazer nenhuma besteira, Jabouille largou em 21º e chegou em 12º lugar.

jpj-elf-renault-vallelunga76

O ano mais movimentado da carreira do piloto foi 1976. Na Fórmula 2, ele despontou como o líder natural da equipe Elf Switzerland ao lado de Michel Leclére. Num ano onde os “quatro mosqueteiros franceses” (Jabouille, Leclére, René Arnoux e Patrick Tambay) dominaram por completo, o piloto foi o melhor da temporada. Venceu em Vallelunga, Mugello e Hockenheim, conquistou mais três pódios e foi merecidamente campeão com 53 pontos. Nas 24 Horas de Le Mans, conquistou a pole no carro dividido com Patrick Tambay e José Dolhem, mas a trinca teve que abandonar após 135 voltas devido à quebra de um pistão.

Além do título na F-2 e no investimento em Le Mans, a “Régie” Renault tinha planos muito mais ambiciosos: aproveitando-se do seu conhecimento de motores turbocomprimidos, começou a desenvolver sua unidade para a Fórmula 1. E não havia ninguém mais capacitado do que Jean-Pierre Jabouille para efetuar os testes.

Sob a tutela de François Castaing, o piloto fez quilômetros e mais quilômetros a bordo do chamado Laboratoire Roulant EE01, para o desenvolvimento do motor turbo com 1,5 litro de capacidade cúbica e seis cilindros em V. Foi uma tarefa árdua, porque a unidade vira e mexe tinha problemas sérios e os testes foram também prejudicados pelo inverno europeu.

77gbr44

Mesmo com todas as dificuldades enfrentadas pelos franceses, a Renault seguiu o cronograma e no segundo semestre de 1977 lançou seu primeiro carro com motor turbo, o RS01. A equipe foi convidada por Bernie Ecclestone para disputar o GP da Inglaterra, sem passar pela pré-qualificação, é bom lembrar. Caso tivesse que ir para a degola, é bem provável que o carro conseguisse uma vaga à justa para o treino oficial. Jabouille conseguiu o 21º tempo – 1’20″11 – e na corrida o turbo quebrou quando o piloto estava em 16º lugar.

Seria pedir demais que o carro fosse competitivo de saída e os franceses sabiam disso. O trabalho seria árduo e as primeiras quebras e abandonos foram considerados absolutamente normais. O que a Renault não contava era com a não-classificação para o GP do Canadá, em Mosport. Mas ninguém baixou os braços e o trabalho continuou para o Mundial de 1978.

Após saltar os GPs do Brasil e da Argentina, Jabouille reapareceu em Kyalami, na África do Sul, onde o ar rarefeito poderia beneficiar o desempenho do motor turbo. O piloto largou de um promissor 6º lugar, mas abandonou com problemas de parte elétrica. A primeira oportunidade em que o RS01 chegou ao fim foi numa das pistas mais improváveis para um carro de motor turbo: 10º lugar no GP de Mônaco.

turbocharged-engines-in-formula-one-18108_2

Mesmo com seguidas quebras de motor, o trabalho não parava. No fim do ano, o RS01 e o V6 turbo já mostravam evidentes progressos e Jabouille fez o 3º tempo do grid do GP da Áustria e também na Itália, em Monza – ambas pistas de alta velocidade. No GP dos EUA-Leste, em Watkins Glen, o motor não teve nenhum problema e o piloto chegou em quarto, somando os três primeiros pontos dele e da Renault na Fórmula 1.

Em 1979, a Renault entendeu que era o momento de ampliar seu esquema e René Arnoux, que guiara para a marca na Fórmula 2, foi promovido para correr ao lado do experiente Jabouille, então com 36 anos. Ainda com o RS01, ele fez a primeira pole position de um motor turbo, com o melhor tempo do GP da África do Sul. Veio o RS10, dentro do conceito de carro-asa, e a Renault começou a mostrar força, pelo menos em qualificação.

RENAULT-JABOUILLE-GP-FRANCE-1979-Dijon-Photo-Bernard-ASSET-600x403

Jabouille fez mais três poles (França, Alemanha e Monza), afora o 2º lugar em Silverstone. E ao mesmo tempo em que o carro #15 era acometido por dezenas de quebras, o piloto entrou para a história no emocionante GP da França disputado em Dijon-Prenois – aquele mesmo da disputa lendária entre René Arnoux e Gilles Villeneuve – para vencer e se tornar o primeiro a conquistar uma corrida com um carro de motor turbo na Fórmula 1.

Jean Pierre Jabouille, Renault RE23

A vocação de velocista do veterano piloto francês não parou em 1980. Pole no último GP do Brasil disputado no saudoso circuito de 7 km em Interlagos e em Kyalami, ele era o piloto mais prejudicado por falhas de todos os tipos em seu Renault RE20. Mas a sorte lhe sorriria no GP da Áustria, quando após largar em segundo conseguiu a sua segunda vitória na categoria, numa atuação impecável e numa corrida onde todos apostavam em que volta o motor V6 turbo quebraria.

hqdefault (1)

Mas a temporada não terminaria bem para Jabouille: o piloto largou em 13º no GP do Canadá, em Montreal e vinha em nono na altura da 26ª volta, quando perdeu o controle da Renault Turbo e espatifou o carro num guard-rail. O acidente trouxe consequências sérias ao piloto, que sofreu várias fraturas nas duas pernas e viu sua carreira sofrer sério risco de ser interrompida.

Apesar do acidente e da dificuldade na recuperação física, Guy Ligier lhe ofereceu um lugar na equipe Talbot-Ligier para correr com os motores Matra V12. Sem estar 100% pronto, acabou fora nos GPs dos EUA-Oeste e do Brasil (do qual até participou de treinos livres, como mostra a foto abaixo), sendo substituído por Jean-Pierre Jarier. Jabouille reapareceu no GP da Argentina, mas não conseguiu lugar no grid para aquela corrida.

tumblr_mkonq6yJtR1rod8iso1_400

O piloto só fez três provas com o Talbot-Ligier, com uma décima-sexta posição na Bélgica como melhor grid. Sua última aparição foi no GP da Espanha, quando desistiu com problemas de freios. Perto de completar 39 anos, o piloto chegou a um acordo com Guy Ligier e os dois assinaram a rescisão de contrato. Era o fim da participação de Jean-Pierre Jabouille na Fórmula 1.

9900

Três anos depois deste fracasso, ele voltou às pistas: disputou as 24 Horas de Spa-Francorchamps com um Rover ao lado de Tony Pond e Ed Joosen, abandonando a prova. Mais três anos ausente e Jabouille regressou para ser 13º com uma BMW ao lado de Gérard Bleynie e Lucien Guitteny. No ano seguinte, terminou em oitavo em parceria com Jean-Louis Schlesser e Marc Duez.

Em 1989, já com 46 anos de idade, o piloto voltou às corridas de Endurance e Protótipos. Fez uma aparição nas 24 Horas de Le Mans com o Sauber C9 Mercedes e ao lado dos conterrâneos Jean-Louis Schlesser e Alain Cudini. Terminou em 5º lugar. E no ano seguinte, estreava junto com o também veterano Keke Rosberg o novo Peugeot 905, o primeiro Grupo C com motor aspirado, visando a temporada de 1991 do World Sportscar Championship.

150 - 24 Heures du Mans 1993. Baldi/ Alliot / Jabouille. Peugeot 905. 3?me

Contudo, Jabouille dedicou-se apenas a colaborar com a Peugeot Sport nas 24 Horas de Le Mans, em que foi 3º colocado em 1992 e 1993, sempre em parceria com Mauro Baldi e Philippe Alliot. Com a saída de Jean Todt, que chefiava o departamento de competição e aceitou uma proposta irrecusável da Ferrari, Jean-Pierre, já com 50 anos, foi escolhido para ocupar o seu lugar.

4991138024_1db55477cb_z

Sob sua responsabilidade, a Peugeot abandonou as intenções de entrar na Fórmula 1 com um carro próprio e em menos de dois meses, a marca francesa conseguia uma cliente – a McLaren. Não foi uma relação das mais amistosas e o contrato durou apenas um ano. A Peugeot forneceu motores para a Jordan, numa parceria que teve três anos e alguns bons momentos – e depois para a Prost, antes da montadora abandonar a categoria.

Festival_automobile_international_2012_-_Photocall_-_Jean-Pierre_Jabouille_-_010

A partir de 1999, Jabouille voltou às competições no FFSA GT, com resultados apenas medianos e alguns anos depois suas aparições se tornaram cada vez mais esporádicas. O canto do cisne da carreira do veterano francês foi em 2005, com um Dodge Viper da Exagon Engineering, ao lado de ninguém menos que o tetracampeão mundial de Fórmula 1 Alain Prost. Aos 63 anos, ele conquistou sua última vitória, no mesmo circuito de Dijon-Prenois que consagrou sua primeira vitória na F-1 e a do motor Renault Turbo.

As voltas que o mundo dá…

Outsiders: David Purley, um herói das pistas

purley-70s

RIO DE JANEIRO – A trajetória deste outsider do esporte a motor não foi das mais brilhantes dentro da pista. Mas é impossível não lembrar dele por seu ato de heroísmo tentando salvar um colega de profissão de uma morte trágica. Quis o destino que David Purley também perdesse a vida de forma prematura, há quase 30 anos. E hoje o blog lhe presta uma merecida homenagem.

Nascido David Charles Purley na cidade de Bognor Regis, em West Sussex, no dia 26 de janeiro de 1945, o britânico até se assemelha a Brett Lunger, recém-retratado no blog, por ter servido às Forças Armadas de seu país. Como súdito da Rainha, Purley foi paraquedista no Iêmen, antes de finalmente começar sua carreira no automobilismo. Seu início nas pistas foi com o lendário AC Cobra e também com modelos Chevron, antes da passagem aos monopostos, no início da década de 70.

DavidPurleyMarch_Ford722_ER1972_02

Após uma passagem pouco brilhante pela Fórmula 3, Purley chegou à Fórmula 2 em 1972. O piloto era “paitrocinado”, pois a Lec Refrigeration era de seu pai e foi ela quem estampava seu nome no March 722 Ford BDA que o piloto usou no Campeonato Europeu daquele ano e também no Torneio Brasileiro de F-2 realizado no fim daquele ano em Interlagos.

David conquistou um 3º lugar nas ruas de Pau, na França, um oitavo posto em Mallory Park e o 12º em Zeltweg. Disputou nove corridas do Europeu e terminou o campeonato em 19º, com quatro pontos. No Torneio Brasileiro, o piloto foi 6º colocado na primeira rodada, abandonou a segunda e foi sétimo na terceira, somando um ponto ao fim da competição.

Monaco 73 5

No ano de 1973, o britânico resolveu dar o maior passo na carreira. Apoiado mais uma vez pelo patrocínio paterno, comprou um March 731 com motor Ford Cosworth e montou sua equipe. A estreia foi em 3 de junho, nada menos que no GP de Mônaco, nas ruas de Monte-Carlo.

Purley qualificou-se em 24º entre 26 pilotos e largou em vigésimo-terceiro após o forfait de George Follmer, da Shadow. Mesmo sendo o mais inexperiente piloto do grid, ele teve desempenho bastante aceitável até abandonar a corrida na 31ª volta, em razão de um vazamento de combustível.

Após saltar as corridas da Suécia e da França, uma vez que o orçamento não cobria todas as etapas, David apareceu de novo em Silverstone, para a disputa do GP da Inglaterra. A corrida marcaria a estreia de outro piloto britânico, que vinha crivado de expectativas após levar o bicampeonato inglês de Fórmula 3: Roger Williamson, que também tinha um March 731, apoiado pelo seu mecenas, Tom Wheatcroft.

purley_73_3

Na qualificação, Purley foi bem, antes de se acidentar e danificar seu March. Mesmo com o 16º lugar que o deixaria no meio do pelotão para a largada em Silverstone, ficou fora da corrida. Foi melhor assim, porque ele escapou de um dos maiores acidentes da história da Fórmula 1, provocado pelo sul-africano Jody Scheckter, ao rodar a mais de 200 km/h na saída da curva Woodcote, antes da reta dos boxes. Vários carros bateram e entre eles estava o March de Roger Williamson.

Veio então o GP da Holanda, no circuito de Zandvoort, onde o destino uniria – de forma cruel – dois jovens compatriotas em busca de um lugar ao sol na categoria máxima do automobilismo mundial.

Para aquela corrida, realizada no dia 29 de julho de 1973, há mais de quarenta anos, Roger Williamson teve um bom desempenho nos treinos classificatórios. Colocou-se na nona fila de largada com seu carro, marcando o tempo de 1’22″72, pouco mais de três segundos pior que a pole position do sueco Ronnie Peterson, da Lotus. Purley alinhou na 21ª posição, com o tempo de 1’23″09.

roger_williamson___david_purley__netherlands_1973__by_f1_history-d6exgmg

Quando a corrida começou, os dois logo ganharam posições: Roger passou a primeira volta em décimo-sexto e David em décimo-oitavo. Consta, inclusive, que Williamson teria queimado a largada, mas essa é uma história que entrou para o terreno das lendas. O que importa é que o semi-estreante do carro vermelho número #14 avançava célere no início e Williamson era o 13º a partir da terceira passagem, com Purley logo atrás.

Na oitava volta, a tragédia.

A pista de Zandvoort, que havia sido limada do calendário do Mundial de Fórmula 1 em 1972 em razão de problemas de segurança, teria mais um acidente fatal para o prontuário da história da categoria. Suspeita-se que o March 731 de Roger Williamson tenha sofrido uma quebra ou mesmo um estouro de pneu a uma velocidade calculada em 209 km/h, na curva Panorama, após um trecho de esses de média/alta velocidade. Após perder o controle do carro, o britânico bateu com violência no guard-rail e no impacto, piloto e bólido foram lançados de volta à pista.

1973213AF

O carro se arrastou por vários metros no asfalto – com o piloto logicamente dentro dos destroços – e, no contato do alumínio do chassi do March com o chão, saíram fagulhas que se agravaram quando o combustível que vazou na batida entrou em contato com as partes quentes – leia-se motor e freio.

acidente 03

Ao perceber a gravidade do acidente, David Purley agiu por instinto. Parou seu carro à beira da pista, no lado esquerdo, atravessou o traçado e correu em direção ao bólido que já se incendiava rapidamente. O piloto chegou a ouvir o colega que estava preso dentro de seu próprio carro, em completo estado de desespero.

“Pelo amor de Deus, David, me tire daqui!”

acidente 04

O esforço de David Purley foi inútil. As chamas tomavam conta do March de Roger Williamson e, chocado com o que via e com o que ouvira, Purley tentou fazer de tudo para salvar o compatriota. Sem que o socorro chegasse a tempo e diante do despreparo dos fiscais de pista, ele lançou mão de um extintor de incêndio, antes de ser demovido de suas intenções por outro comissário, que nada fazia a não ser olhar, incrédulo, para o carro destruído – até porque não usava roupas antichama, apropriadas para combate ao fogo.

1973213DF

Purley deixou o local do acidente desolado e em prantos. E os bombeiros, com um único e pesado caminhão, demoraram longuíssimos oito minutos para chegar e não puderam fazer mais nada. Roger Williamson morreu carbonizado pelas chamas e asfixiado pela fumaça. Ele tinha apenas 25 anos.

8fb7b8c2-9e3e-4260-8eda-c53f50abb34f

Logo após a anunciada morte de Williamson, começou a caça às bruxas. Ed Swarts, o diretor de prova na ocasião, disse que houve “um grave erro de interpretação do que aconteceu na pista”. Muitos colocam a culpa pela demora da chegada do caminhão de bombeiros nas costas do comissário John Corsmit, que teria visto Purley atravessar a pista e achado que o incêndio era do March número #18 – e não do #14 de Roger Williamson, como se saberia depois. E aí já era tarde…

Certo é que Purley, mesmo após o GP da Holanda, ainda regressou naquele ano de 73 ao Mundial de Fórmula 1 para mais duas participações. Em Nürburgring, largou de último para chegar em 15º, uma volta atrasado. Na Itália, em Monza, saiu de penúltimo e terminou em nono lugar, seu melhor resultado num ano tristíssimo para o piloto.

106182post_foto

Como reconhecimento por seus esforços heroicos em tentar salvar Roger Williamson da morte, o governo britânico condecorou David Purley com a medalha George Cross, a mais alta distinção por coragem em situações do gênero – e o piloto receberia ainda outros doze prêmios semelhantes. Também o registro fotográfico do acidente, feito por Cor Mooij (cujas fotos ilustram este post), recebeu o prêmio World Press Photo, daquele ano de 1973.

david_purley__great_britain_1974__by_f1_history-d6hixks

Em 1974, o piloto voltou à Fórmula 2 para disputar a categoria primeiro com um chassi March 742 e posteriormente com o Chevron B27, ambos com motor BMW e alinhados pela equipe do milionário de Hong Kong Bob Harper. Conseguiu dois segundos lugares em Salzburgring, na Áustria e em Enna-Pergusa, na Itália. Acabou o campeonato em 4º lugar, com 13 pontos. Purley regressaria à F-1 naquele mesmo ano para tentar classificar o Token RJ02, projeto de Ray Jessop – que nada mais era do que o finado Rondel – no GP da Inglaterra, em Brands Hatch. Com 35 inscritos para 25 vagas, Purley ficou de fora do grid por 0″3, perdendo o último lugar para Tim Schenken, a bordo de um Trojan.

No ano seguinte, Purley fez apenas uma corrida de F-2: disputou a rodada de Hockenheim com um March 752 BMW da equipe do piloto japonês Masami Kuwashima, abandonando a disputa. E em 1976, o piloto venceu o Campeonato Britânico de Fórmula 5000, a bordo de um Chevron-Cosworth V6.

GP_Inglaterra_1977_005

Por isso foi surpresa quando, três anos após aparecer na lista de inscritos do GP da Inglaterra, David Purley reapareceu numa prova de Fórmula 1. E com um carro novo. Construído por Mike Pilbeam e financiado mais uma vez pelo “paitrocínio” da Lec Refrigerations, o Lec CRP1 seguia a tendência dos bólidos da época, com exceção feita a Ferrari, Ligier e BRM, lançando mão do motor Ford Cosworth V8. A primeira aparição do carro foi na Corrida dos Campeões, em Brands Hatch, onde o piloto terminou em 6º lugar.

O britânico inscreveu-se para o GP da Espanha, em Jarama, que seria disputado em 8 de maio de 1977. Com o tempo de 1’22″89, Purley ficou em trigésimo entre 31 inscritos – só foi melhor que Conny Andersson, da BRM e – claro – ficou de fora do grid. Após saltar o GP de Mônaco, o Lec reapareceu para o GP da Bélgica, em Zolder.

david_purley__belgium_1977__by_f1_history-d5p1h5r

Desta vez, Purley não ficou de fora. Entrou como o vigésimo de um grid de 26 carros e, graças à chuva que caiu incessantemente na corrida, ele chegou a ocupar – pasmem – o 3º lugar na disputa, entre as voltas 20 e 21. Mas caiu para décimo-oitavo na 23ª passagem e não saiu mais das últimas colocações. Acabou em 13º, três voltas atrasado.

Em Anderstorp, o britânico voltou a alinhar com seu Lec CRP1. Largou em 19º e foi o décimo-quarto, tendo sido apenas 1″695 mais lento, em ritmo de corrida, que o autor da melhor volta da corrida – Mario Andretti, da Lotus. Penúltimo do grid do GP da França, em Dijon-Prenois, David abandonaria após completar cinco voltas, devido a um acidente.

O piloto se inscreveu para o GP da Inglaterra, que aconteceria em Silverstone, para tentar uma vaga na concorrida corrida caseira. Os organizadores receberam nada menos que quarenta inscrições para 26 vagas no grid e o jeito foi acomodar as equipes menores e de carros particulares numa pré-qualificação para tirar os mais velozes e deixar 30 pilotos nos treinos oficiais.

De cara, quatro carros não disputaram o treino extra, reduzindo o total de inscritos a 36. Purley tentou fazer sua parte e logo marcou 1’20″63, um tempo bastante razoável. Mas perto do fim da pré-qualificação, quando tentava melhorar e obter uma vaga entre os classificados, o acelerador do Lec CRP1 travou.

1977DavidPurley

Foram momentos de desespero para o piloto, que tentou reduzir ao máximo a velocidade para evitar um choque ainda mais violento com os muros de proteção do circuito britânico. Em menos de um metro, o carro foi de 173 km/h a zero, submetendo o corpo de David Purley à inacreditável desaceleração de 179.8 g – o que fez o britânico entrar para o Guinness Book of Records como o homem que sobreviveu a pior desaceleração já vista. Isto até 2003, quando Kenny Brack, na Fórmula Indy, sobreviveu a uma desaceleração de 214 g quando seu carro decolou e se chocou contra o alambrado da reta oposta do Texas Motor Speedway.

3124960259_6a79fc3ff5_b

Com múltiplas fraturas em ambas as pernas, na pélvis e em várias costelas, David Purley sobreviveu ao acidente e sua carreira na Fórmula 1 foi interrompida após apenas 7 GPs disputados em 13 participações. O Lec CRP1 do acidente acabou refeito e hoje está exposto no museu de carros de corrida históricos fundado por… Tom Wheatcroft, em Donington Park. Reparem, inclusive, que atrás do carro refeito estão os “restos mortais” do verdadeiro carro destruído no acidente e no que ele se transformou – dando uma ideia da gravidade da batida e do verdadeiro milagre que foi Purley ter saído vivo dos destroços.

O piloto abandonou definitivamente o automobilismo após algumas aparições esparsas na Aurora AFX Series, uma competição britânica de carros antigos de Fórmula 1, bastante popular até o início dos anos 80. David Purley trocou os carros pelos aviões e tornou-se um excelente acrobata, especializando-se em manobras de risco no ar.

Em 1985, com apenas 40 anos de idade, Purley participava de mais um evento aeronáutico nas proximidades da sua Bognor Regis natal, no Canal da Mancha, quando seu biplano Pitts Special caiu no mar. O corpo do piloto nunca foi encontrado.

tumblr_mq1nj8DPeo1rkfwoto1_500

Assim chegava ao fim a curta vida de David Purley, essa extraordinária personagem da história do automobilismo, para sempre lembrado por sua valentia e heroísmo no GP da Holanda de 1973.

Outsiders: Brett Lunger, o piloto que foi à guerra

Brett-Lunger

RIO DE JANEIRO – No último dia 14, um piloto de pouco brilho na Fórmula 1 completou 68 anos. Com 34 GPs disputados no currículo, entre os anos de 1975 e 1978, sem pontuar nenhuma vez, o estadunidense Brett Lunger trazia dentro de si as marcas da guerra. Como representante das forças armadas de seu país, ele esteve no Vietnã por três anos. Um caso raro, talvez único, de um piloto de automobilismo que foi à guerra.

Natural de Wilmington, no estado de Delaware e nascido Robert Brett Lunger, ele tinha formação acadêmica refinada. Estudou em Princeton, uma das universidades mais conceituadas dos EUA, mas antes de ganhar o diploma, teve que servir a Tio Sam. Entrou na Marinha, tornou-se tenente e fuzileiro naval.

Lunger serviu com distinção na Guerra do Vietnã com um dos esquadrões de reconhecimento de elite que operavam na linha de frente e até mesmo por trás das linhas inimigas.

eagle74a-lunger-500x

Após viver o horror de um conflito sangrento, Brett abandonou os galardões e o fardamento militar por outro tipo de uniforme: o macacão de piloto de competição. Na verdade, ele já tinha envolvimento com o esporte antes do Vietnã – e olha que ele não era propriamente um entusiasta quando se apaixonou de vez pelo automobilismo . Em 1966, aos 21 anos, ele era chamado de “rich kid” (menino rico) na série estadunidense Can-Am. Nos anos pós-guerra, Lunger disputaria a Fórmula 2 e provas de Fórmula 5000 também, com um Eagle feito este da foto acima.

A bordo de um March 722, o piloto disputou inclusive o Torneio Brasileiro realizado em Interlagos. Com o carro da Space Racing, ele terminou todas as corridas: oitavo na primeira rodada, sétimo na segunda e nono colocado na terceira, com bastante regularidade. Mas sua carreira naquela categoria não proporcionou a Brett resultados de grande monta: sua melhor performance foi em Mantorp Park, na Suécia, com um 4º lugar naquele mesmo ano de 72. Quando nada dava certo, não havia jeito que desse jeito: numa ocasião, o piloto conseguiu explodir três motores num único fim de semana, como aconteceu em Rouen Les Essarts, na França.

Ainda em início de carreira, Brett casou-se com a filha de Sir Leonard Crossland, que fora presidente da Ford britânica e era um executivo da Lotus, que construía carros de Fórmula 1. Não era propriamente um casamento pautado por interesses, mas é claro que o piloto usou das boas relações da família de sua mulher para cavar uma vaguinha na categoria máxima. E dinheiro nunca fora um problema. Afinal, ele não era o “rich kid” dos anos 60? Ele era herdeiro da Dupont, uma das maiores indústrias químicas dos EUA. Só que ele nunca tirou partido disso, assim como Peter Revson (herdeiro da Revlon), para chegar onde chegou.

Watkins Glen 75 4

Finalmente, no ano de 1975, Brett Lunger estreava na Fórmula 1. A bordo de um Hesketh 308 número #25, ele disputou três das últimas corridas daquele ano. A primeira prova foi na Áustria, em 17 de agosto. Largou em 17º e chegou em décimo-terceiro, sob chuva. No GP da Itália, o piloto foi o décimo colocado. E nos EUA, em sua primeira corrida caseira, foi vítima de um acidente e deixou a corrida.

BrettLungerMosport76

No ano de 1976, com o patrocínio dos cigarros Chesterfield, Lunger arrumou uma vaga de piloto fixo no Team Surtees. A equipe não veio ao Brasil para a abertura daquela temporada e a estreia do estadunidense no carro #18 aconteceu na África do Sul com um 11º lugar. Seus desempenhos, de fato, não eram empolgantes – ele chegou a ficar de fora em duas corridas, EUA (Long Beach) e Espanha. Mas Lunger escreveria seu nome na história numa ocasião importante para os rumos do campeonato.

Em 1º de agosto de 1976, ele estava no grid do GP da Alemanha em Nürburgring, largando da 24ª posição. Quando a corrida começou, sob tempo instável, chovia em diversos pontos da pista e havia pilotos ainda com pneus de pista seca passando por trechos já molhados. Niki Lauda foi um dos que pararam nos boxes para montar pneus biscoito em seu carro e o austríaco vinha entre os últimos colocados quando algo quebrou-se em sua Ferrari e ele bateu com violência na curva Bergwërk.

acidente

Lunger vinha logo atrás de Lauda e não teve tempo de desviar da bola de fogo que se tornara o carro do austríaco, uma vez que naquela parte do Nordscheleife, os pilotos vinham em velocidades entre 210-230 km/h. Bateu na Ferrari e logo saltou do carro para tentar ajudar o companheiro de profissão que ardia dentro de um carro em chamas, com um extintor de incêndio em punho.

NLongeval

A luta contra o incêndio travada por Brett e depois por Guy Edwards e Arturo Merzario é um dos momentos mais comoventes da história do esporte. Graças aos três, Lauda foi retirado ainda com vida, embora com graves lesões pulmonares e queimaduras igualmente sérias, do carro destruído. “Perto do que passei no Vietnã, salvar Lauda foi uma tarefa fácil”, declarou na época. O episódio foi revivido no blockbuster “Rush”, dirigido por Ron Howard e que foi exibido recentemente nos cinemas.

Logicamente, Lunger não retornou para a segunda largada e sua carreira ficaria marcada para sempre por esse episódio. Até o fim do campeonato de 76, ele conseguiria um 10º lugar na Áustria e um 11º em Watkins Glen.

canada77

No ano de 1977, o piloto deixou a Surtees. Com o apoio dos fiéis patrocinadores, acertou com a BS Fabrications, uma minúscula escuderia que alinhava carros particulares e chefiada por Bob Sparshott. Após saltar os GPs do Brasil e da Argentina, os dois primeiros do ano, Lunger reapareceu no GP da África do Sul, terminando em 14º lugar. Bateu em Long Beach, numa pista onde não se sentia à vontade e e foi 10º na Espanha. Foi sua última corrida com o chassi March 761, pois a equipe recebera um velho McLaren M23 e passaria a correr com ele até o fim do campeonato.

Mais uma vez, não foi um ano de desempenhos espetaculares. Mas Brett Lunger também não se expunha ao ridículo de atuações pífias, como já vimos muitos outros fazerem. O piloto fez um trabalho bastante honesto, terminando oito corridas e obtendo um 9º lugar no GP da Holanda, em Zandvoort, como melhor resultado.

78flungerao3

Em 1978, Brett renovou com a BS Fabrications e voltou a competir com o McLaren M23, já um carro com cinco anos de fabricação. Desta vez, a equipe veio para a “perna” sul-americana e foi em Jacarepaguá que ele conseguiu o melhor grid da carreira, um 13º lugar, abandonando o GP do Brasil disputado num calorento verão carioca, com superaquecimento no motor de seu carro.

No Daily Express International Trophy, corrida extracampeonato disputada em Silverstone, Lunger foi um dos poucos que conseguiu sobreviver ao caos numa chuva torrencial que tirou vários pilotos do traçado. O estadunidense chegou em quarto, ainda que muitas voltas atrás de Keke Rosberg, que deu show num precário Theodore. Acabaria sendo o melhor resultado de Brett na F-1, ainda que numa corrida sem pontos para o campeonato daquele ano.

78-gbr-2

Em Zolder, na Bélgica, o piloto chegou em 7º após partir da última colocação, por pouco não marcando seu primeiro ponto na categoria. Já a bordo do modelo M26, mais moderno que o antecessor, terminou em oitavo em Brands Hatch e Zeltweg. Na Áustria, ele ganhara um companheiro de equipe: o brasileiro Nelson Piquet juntou-se a Lunger para disputar três corridas com o time de Bob Sparshott, por indicação de Jack Brabham.

576258_2506708445069_1669512993_n-e1351449247532

Mas enquanto Nelson já estreava – ironia do destino – na própria Brabham no GP do Canadá daquele mesmo ano de 1978, a carreira de Lunger na Fórmula 1 chegara ao fim. A última corrida do piloto foi o GP dos EUA, em Watkins Glen, a bordo de um Ensign N177, número #23. Brett largou em 24º e terminou em décimo-terceiro lugar.

Brett deixou a Fórmula 1 com 43 aparições e 34 GPs disputados, num total de 1.713 voltas percorridas, perfazendo 8.139 km no total. Tornou-se analista de Fórmula 1 para as transmissões da rede de televisão estadunidense CBS, trabalhando inclusive com Jackie Stewart. E após deixar a universidade para trás e lutar pela honra de seu país no Vietnã, retornou a Princeton e completou enfim a sua graduação acadêmica.

brett-lunger-former-f1-driver-arriving-at_4177120

Mesmo depois dos 50 anos, Lunger jamais deixou de lado as atividades físicas. Dedicou-se ao ciclismo e a participar de maratonas, mantendo a forma e a mente sã.

Outsiders: Elio de Angelis, o “Príncipe Negro”

de-angelis-1024x725

RIO DE JANEIRO – Ele foi um dos mais regulares pilotos do seu tempo. Não chegava ao ponto de dar espetáculo na pista, mas era veloz quando necessário e constante sempre que preciso. Pilotou para uma das lendas da Fórmula 1 e encontrou a morte prematuramente, aos 28 anos. Refiro-me a Elio de Angelis, cujo apelido de “Príncipe Negro” caía bem pelos carros de cor escura que guiou quase toda a carreira na categoria máxima e por seus modos de garoto rico, filho de família abastada que mostrou classe e finesse dentro e fora das pistas.

O pai de Elio, Giulio de Angelis, também foi um esportista. Disputou corridas de Powerboats, aqueles barcos com motores enormes que disputam provas de Offshore, em mar aberto, semelhantes aos que vitimaram, por exemplo, o ex-piloto de Fórmula 1 Didier Pironi e Stefano Casiraghi, então marido da princesa Caroline de Mônaco.

Após uma breve experiência nos karts, Elio de Angelis subiu para os monopostos em 1977, quando tinha então 19 anos. Começou no Campeonato Italiano de Fórmula 3 e chegou à vitória no prestigioso GP de Mônaco, preliminar da Fórmula 1, em 78 – quando inclusive já estava na Fórmula 2, onde começou correndo pela Scuderia Everest de Giancarlo Minardi e depois pela ICI Chevron, substituindo Keke Rosberg. Com o modelo B42 do construtor britânico dotado de motor Hart, Elio foi ao pódio em Misano na penúltima etapa do campeonato, chegando em 14º lugar no Europeu da categoria, com quatro pontos somados.

elio_de_angelis__1979_race_of_champions__by_f1_history-d6dlaah

Apesar dos resultados tímidos, Elio não teve dificuldade para conseguir uma vaga na Fórmula 1 para a temporada de 1979. A opção foi a Shadow, já uma escuderia em franca decadência e que apostava em dois novatos naquele ano. Além dele, o holandês Jan Lammers, que tinha o patrocínio da Samson Shag, foi contratado para defender o time após conquistar o título europeu de Fórmula 3 em 78.

deangelis1981watkinsglen3

Ainda sem ter completado 21 anos de idade, o garoto italiano surpreendeu em sua estreia: chegou em 7º lugar no GP da Argentina, resultado que repetiria em Long Beach, apesar da propalada pouca competitividade do Shadow DN9B. Com exceção ao GP de Mônaco, onde não conseguiu um lugar no grid, Elio largou em todas as demais 14 etapas do calendário, inclusive se colocando em 12º lugar no grid do GP da Inglaterra, disputado no velocíssimo circuito de Silverstone.

DeAngelis_1979_USA

Já conhecido pelos fãs na época por usar um lindíssimo modelo de capacete fabricado pela Simpson, ao estilo dos soldados do filme Star Warsde Angelis conseguiria uma façanha e tanto ao fim do campeonato: na última etapa, disputada sob temporal em Watkins Glen, o italiano salvou o ano da Shadow ao terminar aquela corrida em 4º lugar após largar em vigésimo. Foram os três primeiros pontos dele na categoria – e os três últimos da Shadow como equipe.

Quem enxergou potencial em Elio de Angelis foi Colin Chapman. A velha raposa não hesitou em lhe oferecer um lugar de segundo piloto em sua equipe para o ano de 1980, após a demissão do argentino Carlos Reutemann. O italiano aceitou sem pestanejar, acreditando que teria muito a aprender com Mario Andretti, campeão mundial de 1978.

Logo de cara, Elio mostrou quem daria as cartas na Lotus. A bordo do modelo 81, muito mais convencional que o malfadado Lotus 80, abandonado no meio da temporada anterior, o italiano fez o 5º tempo no grid do GP da Argentina, abandonando cedo por um problema de suspensão. Em Interlagos, surpresa: sétimo na largada, de Angelis termina em segundo atrás de René Arnoux. Um pódio inesperado e muito comemorado pela equipe, já experimentando os primeiros sintomas da decadência que depois tomaria conta do time britânico.

elio_de_angelis__united_states_1980__by_f1_history-d5q4ylu

Contudo, veio um período sem resultados, tanto para Elio quanto para Andretti, que não marcava pontos de jeito nenhum. O italiano abandonou sete GPs seguidos, mas recuperou-se na Áustria com um 6º lugar. Ainda foi quarto no único GP da Itália realizado fora de Monza e, de novo, em Watkins Glen. Terminou o campeonato em 7º lugar com 13 pontos. Mario Andretti fez somente um e Chapman não renovou-lhe o contrato. Elio passava ao posto de primeiro piloto da Lotus em menos de dois anos na Fórmula 1.

de_angelis_lotus88_jacarepagua

Colin tinha perdido o privilégio dos carros mais rápidos e avançados daqueles tempos, mas ainda aprontava das suas. Lançou o natimorto modelo 88, com dois chassis, considerado ilegal pela FIA e que tinha sido exaustivamente testado por Elio de Angelis. O novo piloto titular, um inglês estabanado chamado Nigel Mansell, ainda era um zero à esquerda.

A Lotus começou o campeonato de 1981 ainda com o patrocínio da petroleira Essex, o mesmo do ano anterior, com o modelo 81 transformado em 81B com o fim do efeito asa. Elio fez pontos em três das cinco primeiras etapas, com um 5º lugar no Brasil e outro na Bélgica, além de um sexto posto na Argentina. Em San Marino, por conta dos problemas da legalidade do 88, nem ele e nem Mansell correram.

5627808465_16060a285f_z

Em Mônaco, Chapman estreou o Lotus 87 enquanto ainda tentava dar ao 88 uma sobrevida, que quase custou caro à escuderia no GP da Inglaterra, patrocinado pela John Player Special – que voltaria a estampar suas cores nos carros do time após os problemas da Lotus com a Essex. Elio começou os treinos com o 88 por interferência do RAC, mas a FIA entrou na ciranda, vetou definitivamente o carro e, com pouco tempo para acertar o 87 para a pista inglesa, ficou em 22º no grid. Já Mansell foi desclassificado e não correu. Elio atingiu a 6ª posição na corrida após menos de 20 voltas, mas levou uma bandeira preta da direção de prova e acabou excluído da disputa.

1981_zolder__elio_de_angelis_lotus_87__michele_alboreto_tyrrell_011_

No fim do campeonato, o italiano voltou a frequentar a zona de pontos: foi 5º colocado na Holanda, quarto na Itália e sexto no temporal do Canadá. Somou mais pontos que em seu primeiro ano de Lotus, mas acabou uma posição abaixo no Mundial, em 8º lugar.

elio-de-angelis1

Para 1982, a Lotus preparava o lançamento do 91 e no início do ano, Elio e Mansell guiariam o 87B. Na África do Sul, na famosa ocasião onde os pilotos se rebelaram contra a FOCA e a FISA e fizeram uma greve de 30 horas, dormindo juntos num dos salões do hotel Kyalami Ranch, de Angelis mostrou uma outra habilidade além das pistas de corrida: brindou os demais colegas presentes com peças clássicas tocadas ao piano. Daí subentende-se a pilotagem refinada e classuda do italiano, pouco afeito a erros.

A temporada foi bastante razoável. Elio pontuou em sete oportunidades, com a costumeira regularidade, terminando três vezes em quarto lugar, duas em quinto e noutra em sexto. Mas foi o GP da Áustria, em Zeltweg, que marcou definitivamente a passagem do italiano na Fórmula 1.

A Lotus não vencia uma corrida desde o GP da Holanda de 1978 e num campeonato que acabaria com onze vencedores diferentes em 16 etapas, tudo parecia crer que este triunfo não aconteceria. O time não era uma das forças da categoria e os carros com motor turbo já dominavam as ações. Contudo, não eram confiáveis e ainda abriam espaço para os triunfos dos modelos equipados com o velho e ainda competitivo motor Ford Cosworth V8.

Zeltweg 1982_Keke Rosberg_Willians FW08_Elio de Angelis_Lotus 91

Numa dessas oportunidades, em 15 de agosto daquele ano de 1982, Elio de Angelis teve a faca e o queijo nas mãos quando o motor turbo da Renault RE30 de Alain Prost quebrou na 49ª volta, ofertando a liderança ao italiano. Só que Keke Rosberg, da Williams, vinha babando na gravata com um carro muito mais rápido. Elio deu uma aula de defesa de posição e na reta de chegada, recebeu a quadriculada com apenas 0″050 de vantagem para o rival. Somente ele e Rosberg completaram as 53 voltas do GP da Áustria.

O bom ano da equipe, que somou 30 pontos e terminou o Mundial de Construtores em 6º lugar, fez Colin Chapman pensar em voos mais altos e o britânico assinou um contrato de fornecimento de motores turbo com a Renault, ainda em 1982, para o ano seguinte. Contudo, em 8 de dezembro, o fundador da Lotus e criador de carros lendários na Fórmula 1, morreu em circunstâncias até hoje misteriosas, sem poder ver o primeiro carro de sua equipe com um motor turbo.

A temporada de 1983 foi sofrível para Elio de Angelis. Por sua paciência em testar carros, ao contrário de Mansell, acabou escalado desde o início do ano para andar com o modelo 93T, que só quebrava. A Lotus também estava com os pneus Pirelli, que ao contrário dos Michelin e Goodyear das outras equipes tidas como de ponta, não eram competitivos.

Elio de Angelis Qualifying the Lotus-Renault in the European GP

Na segunda metade do campeonato, estreou um novo carro. Projetado por Gérard Ducarouge, que saíra da Alfa Romeo, o 94T foi lançado em tempo recorde e os resultados melhoraram. Elio até fez uma pole position no GP da Europa, em Brands Hatch, a primeira dele na Fórmula 1. Mas só pontuou no GP da Itália, com um 5º lugar. Acabou o campeonato com a 17ª colocação, empatado com Danny Sullivan, da Tyrrell.

Para 84, a Lotus tinha enfim um carro razoavelmente competitivo e a esperança de conquistar resultados bem mais expressivos que os do ano anterior. O falastrão Ducarouge injetava esperança no time e os resultados dos treinos de pré-temporada foram bastante animadores, com Elio e Nigel a bordo do novo 95T.

5202304140_c85958aee9

Foi, de fato, um bom ano para o piloto italiano, que terminou 12 das dezesseis corridas, embora em San Marino o combustível acabasse – insuficiente para tirar de Elio o 3º lugar ao fim da disputa. O piloto marcou pontos em onze corridas, somou três pódios e completou o campeonato num honroso 3º lugar, com 34 pontos. É bem verdade que somando menos da metade dos pontos do campeão Niki Lauda e do vice Alain Prost. Mas não deixava de ser um feito de Elio de Angelis.

elio_de_angelis___ayrton_senna__1985__by_f1_history-d5fmx2p

Porém, o italiano mal podia prever que seus dias na Lotus estavam contados, quando o time já chefiado por Peter Warr contratou a jovem promessa brasileira Ayrton Senna, então na Toleman. Senna, aliás, dera em Elio um baile no GP da Inglaterra, com uma ultrapassagem magistral na Paddock Bend, que nunca saiu da memória dos fãs do futuro tricampeão do mundo.

1985__elio_de_angelis__lotus_97t_

De saída, de Angelis sentiu que teria problemas dentro da escuderia. Ayrton mostrou serviço com uma vitória apoteótica no GP de Portugal, numa chuva incrível no circuito do Estoril. Elio chegou a ser líder do campeonato após a vitória no GP de San Marino, herdada com a desclassificação de Alain Prost, cuja McLaren estava fora do peso regulamentar. O italiano ainda saiu de Mônaco na frente da pontuação do Mundial de Pilotos, mas no Canadá perdeu a liderança para Michele Alboreto.

A partir daí, nada mais deu certo para Elio de Angelis dentro da equipe e nas pistas. O italiano foi subjugado pela velocidade estrondosa de Senna em qualificação, embora o brasileiro sofresse um bocado para pontuar após a vitória em Portugal. Quando isto aconteceu com frequência na segunda metade do campeonato, Elio já estava liquidado na Lotus. Sem clima para poder continuar e sem condições de submeter a ser segundo piloto de Senna, o italiano aceitou uma oferta de Bernie Ecclestone e foi para a Brabham.

Brabham 86

A exemplo da Lotus, a equipe britânica vivia de glórias passadas e os resultados já rareavam. A única vitória em 1985 fora obra e graça do talento de Nelson Piquet e do desempenho incomum dos pneus Pirelli em Paul Ricard. E só. Nem os motores BMW eram competitivos como antes e não havia garantia que os compostos italianos devolveriam velocidade aos carros da Brabham.

Formula One World Championship

Para piorar, o designer Gordon Murray apresentou um projeto de Fórmula 1 tão revolucionário quanto problemático. O modelo BT55, conhecido como “Skate”, era ultrabaixo e obrigava os dois pilotos do time – Riccardo Patrese e de Angelis – a guiarem praticamente deitados dentro do cockpit. Até o ângulo do motor foi modificado, sendo montado no chassi a uma inclinação de 72º.

elio-de-angelis-7

Tamanhas inovações não se provaram competitivas, mas mesmo assim Elio de Angelis jamais reclamou do carro e nem perdeu a classe quando uma roda do BT55 foi embora da ponta de eixo em Jacarepaguá, ou quando o câmbio falhou na Espanha, ou quando o motor quebrou em San Marino ou quando classificou-se, com grande dificuldade, na última posição do grid do GP de Mônaco, abandonando a corrida com problemas no turbo.

A equipe queria deixar o BT55 minimamente competitivo ao longo do ano e Elio de Angelis foi escalado para uma sessão de testes no circuito francês de Paul Ricard. No dia 14 de maio de 1986, o piloto perdeu o controle da Brabham na sequência de esses Verrière, logo após a reta dos boxes. No impacto com as barreiras de proteção, o carro capotou e pegou fogo.

1986_-_Elio_De_Angelis

O socorro demorou a chegar, pois por se tratar de um teste particular, não havia bombeiros e equipamento suficiente para o resgate do piloto, que não conseguiu sair dos escombros do BT55 pelos seus próprios meios. Houve um atraso de pelo menos meia hora até que chegasse um helicóptero para o transporte de Elio de Angelis a um hospital mais bem aparelhado. Infelizmente não foi possível salvar o piloto italiano, que morreu em Marselha, 29 horas após o acidente em Paul Ricard, por ter inalado a fumaça decorrente do incêndio que se seguiu após o acidente.

O acidente fatal sofrido pelo italiano foi o primeiro desde o trágico ano de 1982, quando morreram Gilles Villeneuve e Riccardo Paletti. Mas não seria o último da Fórmula 1, pois em 1994, vimos outra tragédia, com as mortes de Roland Ratzenberger e Ayrton Senna. A perda de Elio trouxe consequências drásticas para o circuito de Paul Ricard, que permaneceu no calendário com o uso de uma variante menor, de 3,813 km de extensão ao invés dos 5,810 km usados até 1985. E o acidente foi o estopim para a revolução que traria de volta os motores de aspiração normal à Fórmula 1 em definitivo em 1989, começando gradualmente a partir de 87. Decisão de Jean-Marie Balestre.

Non-Championship Formula One

O currículo de Elio de Angelis nos mostra que ele disputou 108 corridas, vencendo duas, com três pole positions, nove pódios, 43 resultados entre os seis primeiros colocados, 122 pontos somados, 28 voltas na liderança e um total de 4.753 voltas percorridas, o equivalente a 22.053 km cumpridos em quase oito temporadas de Fórmula 1.

Outsiders: Patrick Depailler, um aventureiro

patrick07

RIO DE JANEIRO – A série dos Outsiders do automobilismo volta com mais um piloto francês que fez história. Conhecido pelo seu destemor, só foi parado com a morte. Patrick André Eugène Joseph Depailler, ou simplesmente Patrick Depailler, foi um desses pilotos que amou intensamente o esporte que abraçou, até o fim.

Nascido em Clermont-Ferrand, cidade montanhosa da região de Puy-de-Dôme, no dia 9 de agosto de 1944, Patrick teve dois ídolos no esporte: o compatriota Jean Behra e o escocês voador Jim Clark, a quem tinha como um mito das pistas. Filho de arquiteto, estudou para ser dentista e nunca exerceu a profissão.

Com 20 anos, em 1964, começou no automobilismo com seu primeiro carro, um Lotus Seven. Enveredou durante um tempo no motociclismo, mas voltou às quatro rodas em 1966. Pertencente à mesma geração que outro talento do esporte, François Cévert, Depailler competiu contra ele no Volant Shell, um concurso de revelação de talentos onde o vencedor era premiado com uma bolsa de 1 milhão de francos para investir na carreira. Patrick acabou derrotado por Cévert.

patrick_depailler_alpine_f3

Mesmo assim, seguiu adiante no esporte e na própria Fórmula 3 onde foi rival de François, com um Alpine. Aos 23 anos, ele estreava também nas 24 Horas de Le Mans. Com um Alpine A210 da Écurie Savin-Calberson dividido com Gérard Larrousse, ele abandonou na 17ª hora devido a problemas mecânicos – aliás, Depailler tentou – e nunca conseguiu – terminar a clássica corrida francesa em oito oportunidades.

Depailler,_Patrick,_Pygmée_1970-05-01

Até 1969, a prioridade na carreira de Depailler foi a Fórmula 3, na qual terminou em 4º lugar no final do campeonato daquele ano. Em 1970, veio a passagem desastrosa para a Fórmula 2, fruto de uma péssima escolha de chassi: Patrick optou por correr com os Pygmée construídos por Marius Dal Bo e sua campanha foi pífia com este carro. Ao mudar para o Tecno, melhorou – e em 1971, ao voltar a correr de F-3, finalmente foi campeão.

Em 1972, Depailler regressou à Fórmula 2, como piloto da equipe Elf chefiada por John Coombs, correndo com um Alpine A367 (Elf 2) de motor Ford BDA. Após não marcar ponto nenhum nas três primeiras etapas, ganhou confiança com um segundo lugar na 4ª etapa, disputada na pista de rua de Pau e chegou à primeira vitória em Enna-Pergusa, na Sicília. Acabou o campeonato em 3º lugar, dez pontos atrás do vice-campeão, o compatriota Jean-Pierre Jaussaud.

França 72

Antes disso, porém, Depailler já estreara na Fórmula 1. Por influência da Elf, o francês foi escalado para correr num Tyrrell 004 com motor Ford Cosworth. Largou em 16º no GP da França, justamente disputado em sua cidade natal, Clermont-Ferrand. Com problemas no decorrer da disputa, acabou em 20º, com 33 voltas completadas. No GP dos EUA, quase marcou seu primeiro ponto após largar em décimo-primeiro. Foi o sétimo colocado.

Rouen 73

No ano seguinte, Patrick continuou na Fórmula 2 e na equipe Elf de John Coombs, com o carro Elf 2A. Foi mais um bom ano para o piloto francês, mas insuficiente para acabar com a superioridade do March 732 BMW de Jean-Pierre Jarier e do Surtees TS15 de Jochen Mass. O piloto levou os nove pontos da vitória em Nürburgring, porque o vencedor, o sueco Reine Wisell, era considerado piloto graduado pela FIA e não marcava pontos na F-2. Depailler terminou em 3º lugar novamente, com 38 pontos.

Seu gosto pela aventura começou a lhe custar caro: ele tinha tudo para guiar um terceiro carro da Tyrrell no fim da temporada de Fórmula 1, nos GPs do Canadá e Estados Unidos. Aí resolveu brincar de andar de motocross e como resultado sofreu uma fratura na perna direita. Precisou imobilizá-la e por isso o lugar que seria seu ficou com Chris Amon.

1974_patrick_depailler_fra_tyrrell_007_anderstorp

Contudo, num golpe do destino, a morte trágica de François Cévert em Watkins Glen abriu-lhe a possibilidade de ser piloto titular do time de Ken Tyrrell. Outra vez a Elf influenciou e Depailler, após um teste, foi contratado por “Tio” Ken para ser piloto titular do carro #4 ao lado de Jody Scheckter.

As primeiras provas da primeira temporada completa de Depailler na Fórmula 1 foram difíceis. Primeiro o piloto não estava 100% recuperado da fratura sofrida no ano anterior e tanto ele quanto Jody tiveram que começar o ano a bordo do modelo 006, que tinha uma curta distância entre-eixos e suspensões de barra de torção, o que desagradava profundamente os dois pilotos.

Depailler-Scheckter_1974_Sweden_01_BC

Quando chega o Tyrrell 007, o novo carro projetado por Derek Gardner, os resultados começam a aparecer. A temporada de Depailler é razoável, se comparada ao excelente campeonato de Jody Scheckter. Mas o francês se sai bem, com direito a uma pole position em Anderstorp e o 2º lugar na Suécia. Termina o campeonato em nono lugar, com 14 pontos.

Depailler 74

Na Fórmula 2, Depailler enfim deslancha: vence cinco das 10 provas do campeonato de 1974 com um March 742 BMW e é campeão. Ele soma 54 pontos contra 43 do alemão Hans-Joachim Stuck e 31 de Jacques Laffite – todos, a exemplo de Depailler, já na Fórmula 1.

5548684_orig

A Tyrrell perde um pouco o rumo em 1975, quando todos apostavam que o 007 estaria entre os favoritos. Diante da superioridade de Ferrari, McLaren, Brabham e até dos bons desempenhos da Hesketh graças a James Hunt, o desempenho dos carros azuis não é dos melhores. Scheckter vence apenas o GP da África do Sul. Depailler faz somente 12 pontos no campeonato, com um pódio em Kyalami, como 3º colocado.

P34-Jenks-3

Na pré-temporada de 1976, Depailler revela sua vocação de excelente piloto de testes. Trabalhando exaustivamente no desenvolvimento do modelo P34, o ousado carro de seis rodas mais uma vez desenhado por Derek Gardner, que tinha quatro pneus de tamanho menor que o habitual, além de uma penetração aerodinâmica superior a de qualquer outro Fórmula 1 da época, o francês vê a equipe colher os frutos do pioneirismo de um projeto que foi tido como um dos mais insólitos da história do automobilismo.

tumblr_l7m6taf1nT1qapwfro1_1280

Quando o P34 estreia em Zolder, na Bélgica, Depailler abandona. Logo depois, ele consegue um 3º posto em Monte-Carlo e bisa a dobradinha obtida dois anos antes em Anderstorp, uma pista decididamente boa para a Tyrrell, novamente chegando em segundo atrás de Scheckter. Patrick também termina em 2º no GP da França e aí fica quatro corridas sem marcar pontos, o que terá sido decisivo para sua classificação final no campeonato de pilotos.

No GP do Canadá, em Mosport, o francês faz uma corrida sensacional até o combustível começar a vazar dentro do cockpit da P34. O cheiro da gasolina provoca uma intoxicação em Depailler, que perde rendimento e acaba derrotado por James Hunt, num dos muitos resultados que influenciaram no título do piloto da McLaren. Ele sai quase desacordado de dentro de sua Tyrrell, numa das cenas mais emblemáticas da Fórmula 1 dos anos 70. Na chuva de Fuji, na última etapa, Patrick brilha de novo e chega em segundo. Saldo final: 39 pontos, sete pódios e o 4º lugar no Mundial de Pilotos.

1977_patrick_depailler_ronnie_peterson_tyrrell_p34_cosworth_interlagos_gp_bra

Para 1977, com Jody Scheckter aceitando uma oferta irrecusável (US$ 250 mil à vista) de Walter Wolf, Ken Tyrrell trouxe Ronnie Peterson para ser o novo colega de Depailler. Contudo, a equipe perde o rumo: mesmo com Patrick trabalhando exaustivamente nos testes, o seis rodas vê sua competitividade bastante diminuída por conta de modificações que pioraram o desempenho do bólido. Num ano tremendamente infeliz para ambos os pilotos, Peterson só conseguiu um pódio, na chuva de Zolder. Depailler foi um pouquinho melhor: foi 2º colocado no Canadá e 3º na África do Sul e Japão. Acabou o campeonato em nono lugar, com 20 pontos.

Patrick-Depailler-Britain-1978-(6)

A Tyrrell abandonou o modelo P34 para 1978 porque a Goodyear também não tinha mais interesse em fabricar de forma exclusiva os pneus menores para as rodas dianteiras do carro. Derek Gardner projetou o convencional modelo 008 e foi com ele que Patrick Depailler conheceria a glória de sua primeira vitória na Fórmula 1, no GP de Mônaco, nas ruas de Monte-Carlo. Foi uma das últimas conquistas do time de Ken Tyrrell e Depailler, com cinco pódios no campeonato, acabou o campeonato em 5º lugar, com 34 pontos.

Ao fim daquele ano, um rude golpe: a Elf e o banco First National City (Citybank) cortavam os laços com a Tyrrell e Ken não pôde segurar Patrick Depailler por mais uma temporada. Rapidamente Guy Ligier, que expandia as operações de sua escuderia para dois carros, chamou o piloto para compor dupla com Jacques Laffite e lá ia Patrick para sua segunda equipe na Fórmula 1.

1979patrickdepaillerlaf

A equipe tem um início de campeonato de sonho. O modelo JS11, projetado por Gérard Ducarouge, é o que começa melhor a temporada, sob os auspícios do chamado efeito-asa inventado por Colin Chapman e que fizera do Lotus 79 o carro-referência para todas as equipes da Fórmula 1 em 1979. Com Laffite, o carro vence na Argentina e no Brasil, com direito a uma dobradinha inesquecível e acachapante em Interlagos.

Ligier js11

Mas as coisas não seguem como o planejado nas etapas seguintes e Depailler, após um 5º lugar nas ruas de Long Beach, chega à sua segunda vitória de forma enfática no circuito espanhol de Jarama. O piloto ainda faz mais um 5º posto, em Mônaco, resultado que o deixou com 20 pontos entre 22 somados e em boa situação no campeonato de 1979.

Às vésperas do GP da França, que aconteceria em Dijon-Prenois, Patrick ruma a Clermont-Ferrand para uns dias de folga e seu espírito aventureiro irá lhe custar caro uma segunda vez na carreira: Depailler voa de asa delta e sofre um sério acidente, fraturando ambas as pernas. Furioso, Guy Ligier manda o piloto, que convalescia no hospital, embora do time e contrata o veterano Jacky Ickx, já na curva descendente da parábola no que dizia respeito à F-1, para o seu lugar.

5790641906_81628599f6_z

Aos 35 anos, Depailler parecia, após o acidente de asa delta, acabado para a categoria máxima. Mas havia quem pensasse o contrário: a Alfa Romeo, que regressara em 1979 primeiro com um pesado modelo experimental e depois disto com o modelo 179, queria o francês como piloto de testes. E ele aceitou o desafio.

Na pré-temporada e no início do campeonato, Depailler caminhava amparado por muletas e fazia um comovente esforço para ganhar a confiança de toda a equipe da Alfa Romeo. Na primeira corrida, o GP da Argentina, qualificou-se em 23º lugar apenas, 0″22 mais rápido que Emerson Fittipaldi. Com esforço, chegou ao sétimo lugar, mas abandonou na 46ª volta, com o motor quebrado.

Em Interlagos, o francês classificou-se em 21º mas correu por pouco tempo, abandonando de novo. No GP da África do Sul, largou em sétimo e caiu para último na 10ª volta, onde ficou até ficar fora novamente na passagem número 53. Mas o trabalho de Depailler fazia o carro progredir a olhos vistos e o piloto conseguiu um fantástico 3º lugar no grid do GP dos EUA-Oeste, em Long Beach.

1980_long_beach_p_depailler_alfa_romeo_179

Patrick pulou para segundo após a largada, logo atrás de Nelson Piquet. Figurou com destaque entre os três primeiros até a 28ª volta e caiu para quarto quando foi superado por Gilles Villeneuve. Sua ótima corrida acabou na 41ª passagem, devido a um problema de suspensão em sua Alfa Romeo.

Patrick Depailler Racing

Após abandonar de novo na Bélgica, Depailler mais uma vez foi excepcional com seu carro numa pista de rua: 7º no grid do GP de Mônaco, passou para quinto após a largada e estava confortavelmente instalado na quarta posição após o abandono de Alan Jones, quando o motor de seu carro expirou.

As últimas corridas de Patrick na Fórmula 1 acabaram sendo os GPs da França, em Paul Ricard e da Inglaterra, em Brands Hatch. Em ambas, ficou pelo caminho: na terra natal, sua Alfa apresentou problemas de dirigibilidade e na Inglaterra, foi o motor que o deixou na mão novamente.

Apesar da ausência de resultados, o trabalho de Depailler era elogiado e a equipe já acenava com uma possível renovação de contrato para a temporada de 1981. A Alfa Romeo programou para o fim de julho e início de agosto uma sessão de testes na pista de Hockenheim, visando o GP da Alemanha, e lá foi o francês para mais treinos e mais horas de voo a bordo da Alfa Romeo 179.

No dia 1º de agosto de 1980, durante os treinos na parte matinal, algo acontece de errado com a Alfa de Depailler na aproximação da Ostkurwe. O bólido estava a aproximadamente 250 km/h quando ocorreu uma guinada súbita e o choque violento e frontal com o guard-rail. Na batida, as pernas do piloto acabaram seccionadas. Nada pôde ser feito e Patrick André Eugène Joseph Depailler perdia a vida. Ele era casado e tinha um filho, Loïc, que ensaiou a carreira de piloto, abreviada no início dos anos 2000.

1980patrickdepailler2sg7

Sua carreira foi encerrada com um total de 95 GPs, duas vitórias, uma pole position, quatro voltas mais rápidas em prova, 19 pódios, 141 pontos somados, 164 voltas lideradas e 614 km na liderança. Depailler também percorreu um total de 21.297 km e 4.635 voltas durante todo o tempo em que esteve na Fórmula 1.

Foi uma pena que Patrick tivesse ido embora tão prematuramente. Quem sabe, talvez, ele tivesse tido a chance de mostrar a Guy Ligier que não estava acabado para o automobilismo.

1980patrickdepaillerbf7

Infelizmente, a fatalidade chegou antes.

Outsiders: o galã François Cévert

Francois Cevert, Le Castellet 1973

RIO DE JANEIRO – No próximo domingo, 6 de outubro, quando a Fórmula 1 estiver disputando o infame GP da Coreia do Sul no não menos infame circuito de Yeongnam, há 40 anos a mesma categoria chorava a perda de um piloto que tinha tudo para ser grande: Albert François Cévert, ou simplesmente François Cévert.

Filho de um joalheiro judeu, Charles Goldenberg, cujo sobrenome François não usou de fato em seu registro civil – nem mesmo com o fim da II Guerra Mundial, Cévert nasceu em 25 de fevereiro de 1944 em Paris. E saiu direto do serviço militar em Weingarten, na Alemanha, para as pistas de corrida. Aos 22 anos, derrotou o compatriota Patrick Depailler no concurso Volant Shell, onde a companhia petrolífera premiava um piloto do país com uma bolsa de 1 milhão de francos para investir na própria carreira.

Cévert tinha como opção a Fórmula 3 e dois chassis: o Alpine francês e a italiana Tecno. Optou pelo Alpine, mas colecionou nada menos que dezesseis abandonos em sua primeira temporada completa no automobilismo.

As dificuldades não abalaram François, que se preparou melhor – trocando o Alpine pelo Tecno – e venceu o campeonato em 1968, derrotando Jean-Pierre Jabouille. A conquista lhe abriu o caminho para a Fórmula 2 europeia, como piloto da Tecno, tendo direito a tudo do bom e do melhor em termos de equipamento preparado pelos irmãos Pederzani.

F2_1969_Pau_Cevert_Tecno

Porém, o título não veio: Cévert chegou ao fim da temporada em 3° lugar e a passagem para a Fórmula 1 teria que esperar um pouquinho mais. Àquela altura, quando 1970 começou, os laços de Cévert com a categoria máxima estavam nas mãos de Jean-Pierre Beltoise. O então piloto da Matra era casado com Jacqueline, irmã de François. Logo, Beltoise era cunhado de Cévert.

No início da temporada de 70, Cévert estava de novo comprometido com a Tecno e, evidentemente, com as provas de F-2. E foi aí que a sorte sorriu para ele. A equipe de Ken Tyrrell, que trocara os chassis Matra por se recusar a correr com os motores franceses V-12, estava com o novo modelo March 701, construído por Max Mosley, Graham Coaker, Alan Rees e Robin Herd. Seus pilotos eram o então campeão mundial Jackie Stewart e o francês Johnny Servoz-Gavin.

Subitamente, Servoz-Gavin resolveu pôr um ponto final em sua carreira automobilística, abandonando a Fórmula 1 e a Tyrrell no início do campeonato, após o GP de Mônaco. Com um cockpit livre e a influência da Elf, Ken Tyrrell não teve dúvidas e fez o convite a Cévert, que prontamente aceitou-o.

ford_formula_one_march_1970_tyrrel_francois_cevert_1024x768_12717

A estreia do piloto foi no GP da Holanda, em Zandvoort. François obteve um mais do que razoável 15° lugar no grid e estava uma posição mais à frente do que largara na volta 31, quando uma roda se soltou do March 701 e ele foi obrigado a abandonar a corrida. Naquela ocasião, morria o britânico Piers Courage, que sofrera um acidente ao volante de um De Tomaso.

Era a Fórmula 1, tão emocionante e competitiva quanto insegura. E Cévert já experimentava, logo na estreia, a alegria de ser um piloto da categoria máxima e o dissabor da perda de um companheiro de profissão.

__00cevert00d1

O show tinha de continuar e François, dentro da equipe Tyrrell, tinha o melhor professor que um piloto podia ter. Jackie Stewart, a quem o francês se referia de brincadeira como “Le Patron”, era o nome mais respeitado do grid. E Cévert saberia tirar partido desse companheirismo, aprendizado e amizade.

70ger19

Passou raspando do primeiro ponto nos GPs da Inglaterra e da Alemanha, conquistando dois 7°s lugares consecutivos. E novamente num dia triste para o automobilismo, pois Jochen Rindt morrera no treino para o GP da Itália com a Lotus 72, François Cévert marcava enfim o seu primeiro ponto na Fórmula 1, em sua sexta corrida. Nada mal. Ainda naquele ano de 1970, ele venceu em dupla com Jack Brabham sua primeira grande corrida longa – os 1000 km de Paris, com uma Matra-Simca MS660.

SNA02STEW1--532_1463112a

A dupla Stewart-Cévert foi, logicamente, mantida para o campeonato de 1971. E a Fórmula 1 reconheceu que o francês tinha outras qualidades além daquelas pelas quais as mulheres reviravam os olhinhos. De fato, com pinta de galã, François arrebatava corações ao atacado e despertava paixões – há quem diga que em ambos os sexos. Sabe-se que o piloto conquistou Brigitte Bardot e – pode ser lenda – até o travesti Rogéria teria batido ponto na cama do francês.

F1 FRANCOIS CEVERT

Enfim, voltamos às corridas, onde a Tyrrell tinha o melhor carro para 1971 e o melhor piloto, Stewart. Com a morte de Rindt e os problemas enfrentados pelas demais equipes, o caminho estava aberto para mais um título do Vesgo. O fiel escudeiro Cévert corresponderia à lealdade esperada por Ken Tyrrell e faria uma ótima temporada, com quatro pódios, duas dobradinhas com Jackie, um 3° lugar na sensacional corrida de Monza e, quando o título já estava definido, a primeira vitória, no GP dos EUA em Watkins Glen – feito que rendeu ao piloto o prêmio de US$ 50 mil, o mais alto pago naquela época na Fórmula 1.

7271505

Além de ser o segundo piloto do país a vencer na categoria máxima e o primeiro desde o longínquo ano de 1958, após o pioneiro Maurice Trintignant, Cévert embolsou o 3° lugar no Mundial de Pilotos com 26 pontos – bem menos que a metade do que fez Jackie Stewart, mas a apenas sete de Ronnie Peterson, seu antigo rival de Fórmula 2.

72ger06

Em 1972, a Tyrrell e Stewart não seriam páreo para Emerson Fittipaldi e a Lotus, que voltava a ter um carro competitivo. O modelo 005, previsto para estrear no meio do campeonato, teve problemas de confiabilidade que minaram a oposição do escocês ao brasileiro. Como fiel escudeiro, Cévert não podia contrariar a hierarquia do time. Sua hora viria e ele sabia disso. Apesar dos pesares, conquistou dois pódios – no GP da Bélgica (onde Stewart não correu, nocauteado por uma úlcera) e no GP dos EUA, em dobradinha com o companheiro de equipe.

72lm14b-cevert-ganley-matra-ms670

Fora da Fórmula 1, Cévert mostrava suas qualidades: a bordo da Matra-Simca MS670, chegou em segundo nas 24 Horas de Le Mans, dividindo o carro com o neozelandês James Howden Ganley, na histórica dobradinha onde a vitória foi de Graham Hill/Henri Pescarolo. Em paralelo, o francês corria na série estadunidense de protótipos Can-Am, conquistando com o modelo M8F da McLaren uma vitória em Donnybrooke. Terminou o campeonato daquela categoria com quatro pódios e em 5° lugar, com 59 pontos.

cevert-stewart

Em 1973, a parada seria ainda mais dura: a Lotus contratara Ronnie Peterson para correr ao lado de Emerson Fittipaldi e Stewart, perto de completar 34 anos, tinha planos de se despedir definitivamente do automobilismo – de preferência com um terceiro título. E contava com Cévert para ajudá-lo.

No GP da Argentina, o francês teve a possibilidade de vencer sua segunda corrida na Fórmula 1. Liderou da 29ª à 85ª volta, mas o piloto da Tyrrell não contava com um Emerson Fittipaldi inspirado e possuído, que lhe roubou o primeiro lugar. Após dois abandonos no Brasil e na África do Sul, Cévert foi de novo segundo em duas etapas seguidas – o GP da Espanha em Montjuich e no GP da Bélgica, em Zolder – esta em dobradinha com Stewart, a quarta deles em três anos.

O fiel escudeiro também era um piloto regular: ficou oito corridas consecutiva na zona de pontos e, quando as coisas não davam certo para Stewart, era Cévert que mantinha a Tyrrell na luta direta pelo título do Mundial de Construtores contra a Lotus. Foi assim na Suécia, França e Inglaterra, quando a fase do escocês no campeonato atingiu o ponto mais baixo.

1944022500

Jackie reagiu: venceu na Holanda, na trágica corrida onde morreu Roger Williamson e na Alemanha, em Nürburgring. Foram mais duas dobradinhas com François Cévert – e seriam as últimas deles na Fórmula 1. O escocês foi segundo na Áustria e, graças à colaboração do companheiro de equipe, sagrou-se campeão antecipado no GP da Itália, em Monza.

Stewart teve um pneu furado na 8ª volta daquela corrida e após a troca, voltou em vigésimo, uma volta atrasado. O piloto do Tyrrell 005 não só recuperou essa volta como, a cinco voltas do fim da corrida, fez o resultado que bastava: ao trocar de posição com Cévert, passou ao quarto lugar e com os três pontos somados – já que na Lotus, Ronnie Peterson recusou-se a fazer a mesma tática com Emerson Fittipaldi – Jackie sagrava-se campeão mundial pela terceira vez.

Após o GP da Itália, o escocês anunciara que as etapas do Canadá e dos EUA seriam as suas últimas e que Cévert estava mais do que preparado para sucedê-lo como primeiro piloto da Tyrrell e ser campeão mundial futuramente. O francês também sabia que sua hora havia chegado e se considerava pronto para o desafio.

Em 3° lugar no Mundial de Pilotos, com 47 pontos, Cévert estava logo atrás de Emerson Fittipaldi e almejava o vice, para terminar uma temporada de sonho para ele, Stewart e Ken Tyrrell. Mas no GP do Canadá, ele se envolveu num entrevero com o atrevido novato Jody Scheckter, que tinha o singelo apelido de “Troglodita”. Cévert esqueceu a educação nos boxes e quis dar uns pescoções em Scheckter, no que foi impelido pela turma do deixa-disso.

francois-cevert

Em 7 de outubro, aconteceria a última etapa em Watkins Glen – a mesma pista onde Cévert conquistara sua primeira vitória na Fórmula 1. Nos treinos, o piloto cumpriu o ritual de sempre: vestiu o macacão azul-claro com os brasões dos patrocinadores e da Tyrrell, o capuz anti-chamas, o capacete bleu-blanc-rouge e as luvas. Sedutora e displicentemente, deve ter piscado os imensos olhos claros para alguma nativa, como quase sempre fazia. E acelerou sua Tyrrell 006 de motor Ford Cosworth V8 número #6 para iniciar o último treino livre antes da qualificação e tentar melhorar o tempo da véspera – 1’40″444, o quarto mais rápido da sexta-feira.

Como sempre, Ken Tyrrell, cronômetro na mão, começou a marcar o tempo de seu pupilo mais jovem e futura aposta para ganhar o campeonato em 1974 e entrar para a história na sucessão de Jackie Stewart. Mas alguém notou que Cévert demorava mais do que o tempo que se levava para completar uma volta no circuito novaiorquino.

Uma bandeira vermelha foi acenada. O treino estava interrompido.

Todos os outros 27 carros chegaram aos boxes. Menos o #6 de Cévert. E o desespero tomou conta do paddock. Mecânicos, pilotos e chefes de equipe logo ficaram com os semblantes carregados.

cevert-acidente

Não sem razão: François Cévert perdera o controle numa sequência de esses em subida. O carro bateu numa guia a 250 km/h e capotou. Na condição de “passageiro”, o piloto nada pôde fazer e o bólido ficou inteiramente destruído na seção dianteira, reduzida a menos da metade do tamanho original do carro. Não havia nada que estivesse ao alcance dos bombeiros e médicos: aos 29 anos de idade, Albert François Cévert estava morto.

Foi um baque: Helen, a mulher de Jackie Stewart, entrou em estado de choque. Enlutada, a Tyrrell retirou-se da corrida e o escocês despediu-se da Fórmula 1 num dos dias mais trágicos de sua história e sem atingir a marca histórica de 100 GPs na carreira. A pista foi reaberta uma hora após o acidente e o segundo treino classificatório foi realizado em clima de velório. A bandeira francesa foi hasteada a meio pau e nos alto-falantes do autódromo tocou-se a Marselhesa, como respeitosa e última homenagem a François Cévert.

No dia seguinte, enquanto Jackie e Helen assistiam à corrida com a mulher do tricampeão dopada por sedativos, Ronnie Peterson partiu da pole position, venceu a corrida de ponta a ponta e roubou de Cévert a 3ª posição do Mundial de Pilotos. Ao fim da corrida, conversando com um jornalista de seu país, o piloto desabafou:

“Sabe de uma coisa, Björn? Essa foi a pior corrida que disputei até hoje. Correr é tudo para mim e acho que não saberia fazer outra coisa. Não senti prazer nenhum nesta vitória. Mas corri para ganhar. É para isso que sou pago”, finalizou Ronnie.

Francois_Cevert_1973

A Tyrrell nunca mais seria a mesma: sem Stewart e sem Cévert, teve que se reconstruir – sem contudo se reerguer por completo. E os franceses teriam que esperar mais um pouco para ver um piloto do país campeão mundial de Fórmula 1. Porque François Cévert, o galã, não pode atingir o objetivo que tinha desde que ganhou a bolsa de 1 milhão de francos e derrotou Patrick Depailler no Volant Shell, em 1966.

Outsiders: Bruno Giacomelli, o ‘gordinho’ veloz

Bruno-Giacomelli

RIO DE JANEIRO – Nesta terça-feira, um dos nomes que povoou a minha infância quando comecei a acompanhar a Fórmula 1, completa 61 anos de idade. Refiro-me ao piloto italiano Bruno Giacomelli, que esteve na categoria máxima de 1977 a 1983 e depois, em 1990.

Nascido em 10 de setembro de 1952 na cidade de Brescia, Bruno começou a aparecer no automobilismo em 1976. Naquele ano, ele foi um dos grandes nomes da Fórmula 3. Com um March 763 de motor Toyota Novamotor, venceu o GP de Mônaco, preliminar da Fórmula 1, despertando de cara o interesse de alguns chefes de equipe da categoria máxima – o que naquela época era absolutamente normal, uma vez que a transição da categoria de base, com motores de 170 HP na época, para a F-1 com os Cosworth de 480 HP, não era considerada algo de outro mundo.

bruno-giacomelli-un-italiano-nella-perfida-al-L-OR7F8m

Na Inglaterra, Bruno também destacou-se. Venceu o Shellsport, um dos dois torneios de Fórmula 3 realizados no templo do automobilismo europeu. Na outra série, a BP Visco, deu Rupert Keegan, que guiava um March 763 Toyota idêntico ao de Giacomelli. Os dois foram os grandes protagonistas do ano, ao nível do que fora a disputa quase suicida entre Gunnar Nilsson e Alex Dias Ribeiro, no ano anterior.

O passo seguinte foi o Campeonato Europeu de Fórmula 2. A estreia do piloto nesta categoria foi na veloz pista inglesa de Thruxton, na 2ª etapa, com um March 772 de motor Hart. Bruno não terminou aquela corrida, assim como a seguinte, em Hockenheim, na Alemanha. E em Nürburgring, marcou seu primeiro ponto no campeonato.

Já na etapa seguinte, disputada em Vallelunga, pista próxima à capital Roma, Bruno Giacomelli atuava como piloto oficial da March-BMW pela primeira vez, substituindo o brasileiro Alex Dias Ribeiro, que fora afastado do programa de F-2 do construtor de Bicester pela mente maquiavélica de Max Mosley. Giacomelli não decepcionou: venceu o GP de Vallelunga e mais outras duas provas, em Mugello e Donington Park, fechando o ano num promissor 5º lugar, com 32 pontos.

A confiança da March e da BMW em Giacomelli era tão grande que já na última prova de 1977, estreou-se o modelo 782 para o ano seguinte. E o italiano, claro, venceu.

Àquela altura, Bruno já começara sua carreira na Fórmula 1. A McLaren lhe deu uma chance no GP da Itália, em Monza, ocupando o terceiro carro com o numeral #14. Giacomelli largou na 15ª posição em um grid de 24 carros, mas o motor Cosworth quebrou e ele foi obrigado a desistir.

hqdefault

No ano seguinte, ele era o grande favorito à conquista do título do Europeu de Fórmula 2, o que certamente alavancaria sua entrada definitiva na categoria máxima. Ao mesmo tempo, Bruno voltou a disputar algumas provas de F-1 com o terceiro carro da McLaren, com o qual conseguiu um 7º posto em Brands Hatch no GP da Inglaterra e o oitavo posto no GP da Bélgica, em Zolder. Como curiosidade, seu nome era grafado na parte externa do carro como Bruno Jack O’Malley, para facilitar a pronúncia do sobrenome do piloto pelos integrantes do time.

F2_Bruno Giacomelli

O italiano não frustrou as expectativas e venceu com sobras na categoria de acesso. “Montado” no melhor conjunto do ano: chassi March 782, motores BMW com assistência de fábrica e pneus Goodyear de grande qualidade, Giacomelli venceu oito das 12 etapas do campeonato, quatro delas consecutivamente. Fez 10 pódios, somou 82 pontos e só abandonou duas vezes, em Nürburgring, na lendária corrida vencida por Alex Dias Ribeiro e em Donington Park.

giacomelli01_130579

A partir de 1979, Giacomelli assumiria outro desafio: contratado pela Autodelta de Milão, seria o responsável pelos testes de desenvolvimento do primeiro chassis de Fórmula 1 da Alfa Romeo, que voltava à categoria máxima após quase 30 anos. Com o modelo 177, quase um trambolhão, ele promoveu o regresso do time durante o GP da Bélgica, em Zolder, acidentando-se após largar em décimo-quarto.

1979Usa-Giacomelli-AlfaRomeo179-03

Nesse primeiro carro, ainda estava montado o motor Boxer de 12 cilindros opostos, potente e pesado, o mesmo usado pela Brabham entre 1976 e 1978. Mas nas duas corridas finais do ano, no Canadá e nos EUA, previa-se a estreia do modelo 179, mais moderno e avançado, visando a temporada de 1980, com o uso de um motor V-12. Com esse carro, Giacomelli andou no GP dos EUA, onde largou em 18º e abandonou, novamente em razão de uma batida.

8023giacomelli179alfarg

A Alfa Romeo não queria entrar na Fórmula 1 para ser coadjuvante. Além de assinar um bom patrocínio com a Phillip Morris (leia-se Marlboro), o construtor de Milão contratou Patrick Depailler, então com 35 anos, para ser o principal piloto do time – com quem certamente Giacomelli aprenderia muito. Mas o francês ainda convalescia de um grave acidente de asa-delta sofrido no ano anterior, a fisioterapia não tinha ainda deixado suas pernas com a firmeza suficiente para conduzir um carro de corrida e a condição física de Patrick não era, certamente, das melhores, no começo do ano de 1980.

Isto posto, Giacomelli começou o ano com a incumbência de dar à equipe os primeiros pontos. E logo conseguiria o feito no GP da Argentina, numa corrida difícil e acidentada. Largando em 20º, o italiano sobreviveu aos muitos problemas enfrentados pelos rivais e chegou em quinto, somando dois preciosos pontinhos. No Brasil, chegou em 13º lugar.

A temporada do time milanês começou a engrenar no GP dos EUA-Oeste, em Long Beach. Lá, Depailler, já em forma, classificou-se brilhantemente em terceiro, enquanto Giacomelli foi o sexto no grid. Pena que os dois não chegaram ao fim. Noutro circuito citadino, Mônaco, Patrick também andou muito forte, alijado da disputa na 51ª volta. Giacomelli foi atropelado pela Tyrrell de Derek Daly na curva Saint Dévote e nem passou da primeira volta.

O desempenho do 179 prometia muito para a segunda metade do ano. Aí, em 1º de agosto, num teste de pneus em Hockenheim, Patrick Depailler sofreu um sério acidente. A mais de 200 km/h, bateu com violência num guard-rail. O piloto teve as pernas seccionadas, várias lesões e traumatismos. Aos 35 anos, ele morria na mesma pista onde seu ídolo Jim Clark perdera a vida numa obscura corrida de Fórmula 2, em abril de 1968.

O moral da equipe ficou tremendamente abalado, mas o show tinha que continuar e Giacomelli seguiu como o único piloto da equipe por alguns eventos. De volta à Hockenheim, agora para o GP da Alemanha, o piloto chegou em quinto, novamente vindo do fim do pelotão.

A Alfa não baixou os braços – e nem Giacomelli. No GP da Holanda, o italiano teve atuação destacada, a melhor dele em 1980. Ele largou em oitavo e na 16ª volta, alcançou a terceira posição, atrás de Nelson Piquet e Jacques Laffite. Contudo, Bruno deu uma rodada quando estava prestes a assumir a segunda posição. O erro infantil do italiano o fez baixar para sétimo e ele ainda tinha esperanças de somar pelo menos um pontinho, quando constatou-se que a minissaia do carro fora danificada na rodada e ele não teve mais chance de seguir em frente.

Formula One World Championship

Na última prova do ano, o GP dos EUA-Leste, em Watkins Glen, Giacomelli surpreendeu: fez a primeira pole position dele e da Alfa Romeo desde 1951. E liderou com autoridade por mais da metade da disputa. Absoluto, Bruno rumava para uma primeira e merecida vitória na Fórmula 1. Mas uma pane elétrica, ocorrida na 32ª volta, tirou o #23 da pista.

Em 1981, o italiano teria um novo companheiro de equipe: Mario Andretti, então com 40 anos, juntou-se a Giacomelli para trabalharem juntos no desenvolvimento do 179C, o carro da Alfa Romeo para aquele ano, sem a minissaia proibida pelo regulamento técnico da época.

2274351717_0c19b033b8

Não foi uma temporada fácil, embora a Alfa tenha ficado feliz com o 4º lugar de Andretti no GP dos EUA-Oeste, em Long Beach. Giacomelli e Andretti foram vítimas da falta de confiabilidade do conjunto e Bruno colecionou muitos abandonos. Também não havia velocidade de ponta e frequentemente os dois largavam no meio do pelotão.

No fim do ano, a Alfa Romeo teve um pequeno surto de competitividade, que propiciou a Giacomelli chegar em 4º no temporal do Canadá e em terceiro no GP de Las Vegas, no inócuo circuito montado no estacionamento do Caesars Palace, onde Nelson Piquet foi campeão mundial de Fórmula 1. Com sete pontos, Giacomelli terminou o campeonato de pilotos em 15º lugar e à frente de Mario Andretti, cujos serviços foram dispensados.

4764614396_6c7d2796bb_z

Em 1982, chegava à equipe Autodelta o insano Andrea De Cesaris, jovem promessa italiana de 22 anos, e que destruíra 22 chassis da McLaren no ano anterior, para dividir o time com Giacomelli. Foi outro ano de resultados abaixo da expectativa, com nove abandonos de Bruno – sete deles consecutivos. Sem ter muito o que fazer com o modelo 182, que era rápido em algumas pistas, mas muito pouco confiável, o piloto chegou em 5º no GP da Alemanha e foi tudo o que pôde obter na temporada. Desta forma, ficou difícil renovar o contrato e a Alfa Romeo dispensou Giacomelli, pondo em seu lugar o medíocre Mauro Baldi.

Já com 30 anos, Bruno Giacomelli não podia ser considerado velho para a Fórmula 1, uma vez que Jacques Laffite, com uma década a mais de idade, ainda era veloz e relativamente competitivo. O piloto fechou um contrato de um ano com a Toleman e lá foi ele para a que seria sua terceira escuderia na categoria máxima.

bruno-giacomelli-toleman-tg183b-01_01

O ano de 1983 não foi bom para o italiano, que além de ficar de fora do GP de Mônaco pela primeira vez na carreira, só se classificou uma vez no grid entre os dez primeiros, marcando um solitário pontinho no GP da Europa, em Brands Hatch. Tal como na Alfa, a Toleman não exerceu a opção de renovação de contrato e Giacomelli, após um total de 69 corridas disputadas, deixava a Fórmula 1.

Beatrice Indy Challenge, Bruno Giacomelli

Ainda com alguma vida útil nas pistas, Bruno foi para os EUA, tentar a sorte na Fórmula Indy, que por aqui chamava muito a atenção por conta da presença de Emerson Fittipaldi, com quem dividiu equipe na Patrick Racing. Ele fechou um acordo para disputar corridas em circuitos mistos e em ovais curtos. Na temporada de 1985, Giacomelli chegou em 5º na pista de rua de Meadowlands, foi sexto em Mid-Ohio e Laguna Seca e décimo em Cleveland. Com 32 pontos somados, fechou o campeonato em 19º. Ao todo, disputou 11 corridas no certame estadunidense.

Já naquele mesmo ano de 1985, Bruno disputou uma prova do Mundial de Grupo C, os 1000 km de Monza, com George Fouché e Sarel Van der Merwe, a bordo de um Porsche da equipe de Erwin Kremer, chegando em 8º lugar. Sem espaço nos monopostos, Giacomelli passou a fazer parte do círculo de pilotos que saíram da Fórmula 1 e migraram para os Esporte-Protótipos. Suas aparições esporádicas em 1986 lhe renderam, contudo, o 4º lugar nos 1000 km de Fuji, novamente com um Porsche da Kremer, em dupla com Volker Weidler.

8077321527_d2fa444c5c_z

Em 1988, o piloto italiano venceu os 1000 km de Fuji, pelo Campeonato Japonês de Grupo C, tão forte quanto o Mundial da época, em dupla com Kris Nissen. Na época, um de seus patrocinadores era a Leyton House, de Akira Akagi, que desde o ano anterior passara a investir na Fórmula 1. O piloto também disputaria as 24 Horas de Le Mans, compondo trinca com Kunimitsu Takahashi e Hideki Okada, chegando em nono lugar.

Nos dois anos seguintes, em provas de Endurance, o melhor resultado do italiano seria um 3º lugar em Silverstone, com um protótipo Spice SE90C, em dupla com Fermin Velez. Naquele mesmo ano de 1990, Giacomelli, prestes a completar 38 anos, surpreendeu todo mundo quando aceitou um convite de Ernesto Vita e retornou à Fórmula 1 para tentar classificar o chassis Life, que tinha montado nele um motor de 12 cilindros… em W!

bruno-giacomelli-life-inglaterra-1990

O projeto de Franco Rocchi nunca foi competitivo. Mesmo assim, o piloto embolsava um fixo de US$ 30 mil por corrida, o que não era de se desprezar, nem mesmo quando o carro não completava uma única volta – algo frequente nas pré-qualificações. Nem a troca do motor Rocchi W12 por uma unidade Judd V8 melhorou as coisas e tanto Giacomelli quanto a Life saíram de cena do automobilismo no fim do ano.

Em 1995, quando já tinha 42 anos, Bruno ainda ensaiou um regresso às competições. Fez algumas provas de Endurance novamente e terminou as 4h de Nürburgring, em dupla com Wolfgang Kauffmann, em oitavo lugar, com um Porsche 911 Biturbo da equipe Freisinger. Foi com o time alemão que ele se despediu definitivamente do automobilismo em 1998, no dia 22 de março, nas 4 Horas de Jarama, na Espanha.

bruno-giacomelli (1)

A carreira de Giacomelli na Fórmula 1 teve 82 aparições do piloto italiano com 69 largadas, uma pole position, um pódio, 14 pontos somados, 31 voltas na liderança e 2.694 voltas percorridas, num total de 12.631 km.

Outsiders: Chris Amon, o azarado

ChrisAmon

RIO DE JANEIRO – Em treze anos de carreira na Fórmula 1, ele jamais conseguiu vencer uma corrida em caráter oficial. A falta de sorte que lhe acompanhou durante tanto tempo foi sua grande marca registrada. Em contrapartida, era um dos mais rápidos e competitivos pilotos de seu tempo. Falo de Chris Amon, que merece a distinção de outsider aqui no blog.

Nascido Christopher Arthur Amon, na cidade neozelandesa de Bulls, em 20 de julho de 1943, conseguiu persuadir seu pai para lhe dar um carro. Assim que completou a idade legal, entrou nas competições automobilísticas. Começou com um Austin A40 Special, em provas menores em seu país e eventos de Subida de Montanha. Trocou seu primeiro carro pelos monopostos, primeiro com um Cooper de 1,5 litro e depois guiou uma velha Maserati 250F. Evidentemente, o jovem piloto chamou a atenção ao guiar o Cooper T51 que fora do compatriota Bruce McLaren. E isto o levou à Fórmula 1. Antes de completar 20 anos, já estava entre as “feras” do automobilismo.

French GP, Reims,  30 June 1963 Chris Amon(7th) Lola Mk4A

Sua estreia foi marcada pela proverbial falta de sorte: com um velho Lola MkIV-A Climax V8, alinhado pela escuderia de Reg Parnell, ele não pôde largar para o GP de Mônaco de 1963 porque Maurice Trintignant, seu experiente companheiro de equipe, teve problemas mecânicos. Como não havia carro reserva, Amon ficou chupando o dedo e não correu.

Em seis corridas que disputou – cinco delas com o velho Lola – Chris conseguiu dois 7ºs lugares na França e Grã-Bretanha. Foi tudo o que pôde fazer e já no GP do México, estreava numa Lotus 24. Na temporada seguinte, em 1964, Amon marcou pontos logo na segunda corrida, o GP da Holanda – isso após não se qualificar para o GP de Mônaco. A Lotus do time de Reg Parnell, com motor BRM, não desenvolvia bem e o piloto enfrentou também uma série de falhas mecânicas que comprometeram seu campeonato. Acabou o Mundial de Pilotos em 16º lugar, com dois pontinhos apenas.

A sorte de Amon pouco mudaria nos dois anos seguintes, de temporadas erráticas para o neozelandês. Em 1965, fez apenas duas aparições na França e Alemanha, abandonando em ambas as oportunidades. Saiu do time de Reg Parnell e fez apenas uma corrida em 1966, no GP da França, com um Cooper. Na Itália, tentou qualificar uma Brabham BT11 inscrita por ele mesmo, mas não se qualificou.

1966 - Bruce McLaren - Chris Amon

Nessa mesma época, o piloto começava a participar ativamente da Can-Am, uma série de protótipos de muita repercussão nos anos 60/70, com ótimos prêmios e que tinha corridas nos EUA e Canadá. Não obstante, ganhou ainda as 24 Horas de Le Mans, dividindo o lendário Ford GT40 ao lado de Bruce McLaren, de quem quase foi piloto na Fórmula 1. Mas o ano de 1967 lhe reservava, aos 23 anos, a passagem para a Ferrari. Após um encontro com o Commendatore, recebeu um contrato para integrar o time que já tinha Lorenzo Bandini, Lodovico Scarfiotti e Mike Parkes.

67mex25

Logo na estreia pelo time de Maranello, em Mônaco, Chris chegou em 3º mesmo tendo largado em décimo-quarto. O ótimo resultado do neozelandês foi ensombrado pela morte terrível do italiano Lorenzo Bandini, durante a corrida nas ruas de Monte-Carlo. Depois disto, Mike Parkes quebrou uma perna num acidente no GP da Bélgica e Lodovico Scarfiotti deu um tempo das corridas de F-1, o que fez de Amon o único piloto do time para o restante do ano.

Além da corrida monegasca, Amon subiria ao pódio ainda mais três vezes, sempre em terceiro, nos GPs da Bélgica, Grã-Bretanha e Alemanha. Foi o 4º colocado no Mundial de Pilotos de 1967 com 20 pontos – o que não podia ser considerado um mau resultado. E nas corridas longas, o neozelandês foi muito bem, ajudando a Ferrari a ser campeã do Mundial de Marcas com um ponto de vantagem para a Porsche. Em dupla com Lorenzo Bandini, ele venceu as 24h de Daytona e os 1000 km de Monza, a bordo da lendária Ferrari 330 P4.

amon-ferari-1968-rouen1

Em 1968, o engenheiro Mauro Forghieri teve a ideia de implementar no carro de Amon aerofólios enormes, cuja altura em determinados circuitos podia bater 2 metros. Esses experimentos aerodinâmicos, aliados à falta de consistência do piloto, fizeram a temporada do neozelandês ir para o vinagre. Após um 4º lugar na corrida de abertura do campeonato em Kyalami, na África do Sul, Amon conseguiu três pole positions consecutivas, abandonando em todas as oportunidades. Ele ainda conseguiu um ótimo 2º lugar no GP da Inglaterra, após longo duelo com Jo Siffert, e no restante do ano, abandonaria as cinco últimas etapas – tudo isso largando da primeira ou da segunda fila em todas elas.

Chris-Amon-1969

Em contrapartida, na Tasman Series, disputada na Oceania, Amon tinha ótimos desempenhos. Em 1968, venceu duas corridas – mas acabou perdendo o título para Jim Clark. No ano seguinte, com o lendário modelo Dino F2 da Ferrari, ganhou o GP da Nova Zelândia, empolgando seus conterrâneos. E na Fórmula 1, a velha má sorte tornou a dar as cartas: Chris conseguiria apenas o 3º lugar no GP da Holanda, em seis corridas que disputou. Impaciente, preferiu abandonar a equipe no meio do campeonato de 1969 – e se tivesse esperado, pegaria uma Ferrari afiada em 1970. Mas preferiu correr com um chassi de Fórmula 1 com motor Ford Cosworth DFV.

image_homepage_hero

Seus laços com a Ferrari não foram de todo rompidos em 1969. Com a Ferrari 312P Esporte Protótipo, foi 2º colocado nas 12 Horas de Sebring e quarto no BOAC 500 de Brands Hatch, tudo em dupla com Pedro Rodriguez. Também disputou provas de Can-Am com um protótipo desenvolvido pelos italianos para a série ianque – a monstruosa 612P, que lhe deu três pódios e o 6º lugar no campeonato, com 39 pontos. A sua última corrida pela Casa de Maranello foi os 1000 km de Monza, em 1970, quando chegou em segundo.

jim-culp-1970-german-grand-prix

Naquele ano, Chris Amon assinou com a March e foi disputar o Mundial de Fórmula 1 pela equipe STP, chefiada por Robin Herd e Max Mosley, tendo Jo Siffert como companheiro fixo e Mario Andretti em eventuais participações. A bordo do novo March 701, venceu o Troféu Internacional em Silverstone – mais uma prova extracampeonato – e ao longo da temporada, largou cinco vezes entre os quatro primeiros, provando que era mesmo um piloto veloz.

Após uma primeira metade de temporada irregular, mesmo com o 2º lugar em Spa-Francorchamps e Clermont-Ferrand, a segunda parte do campeonato de Amon foi bem mais consistente e ele conquistaria ainda mais um pódio com o 3º lugar em Mont-Tremblant, no Canadá. Acabou em 8º no Mundial de Pilotos com 23 pontos. Na Can-Am, fez 28 pontos em três corridas, com o March 707 de motor Chevrolet big block. Os desentendimentos entre Mosley e Herd minaram o ambiente e de novo o neozelandês foi buscar novos ares.

chris_amon__germany_1971__by_f1_history-d5en2qk

Amon escolheu a Matra-Simca para disputar o Mundial de 1971. E logo no começo daquele ano, venceu o GP da Argentina. Mas, como sempre, era um evento extracampeonato, para a homologação do circuito de Buenos Aires, que pretendia regressar ao calendário da Fórmula 1. Com o chassi MS120B desenhado por Bernard Boyer e Gérard Ducarouge impulsionado pelo motor MS73 V12 de escapes sonorizados e o mais belo ronco da história, Chris conquistou a pole position para o GP da Itália, com a incrível média horária de 251,214 km/h na época. O proverbial azar do piloto fez com que Amon marcasse somente nove pontos, com o 11º lugar no Mundial de Pilotos e o pódio no GP da Espanha, no circuito Parc Montjuich.

tumblr_m5v0rciGze1rod8iso1_1280

Em 1972, o Matra MS120C, depois atualizado para a versão D, continuava um carro veloz, mas irregular, alternando quebras com ótimos desempenhos. Num deles, no GP da França, onde partiu da pole e liderou metade das 38 voltas, um pneu furado acabou com o sonho da inédita primeira vitória. Amon chegou em terceiro e foi o último pódio do piloto na Fórmula 1.

bW1hQBZ

A Matra acabou com o programa de monopostos e se dedicou nos anos seguintes aos Protótipos. Com 29 anos, Chris ainda tinha muita lenha para queimar, mas arriscou a pele ao aceitar desenvolver o Tecno-Pederzani, com motor 12 cilindros boxer de 460 HP de potência. Logo no GP da Bélgica, numa corrida atribulada, Amon somou um pontinho com o 6º lugar. Ele disputou apenas mais três corridas com o time e o projeto do Tecno F1 foi abortado. Nas duas corridas finais, Chris teve à disposição um Tyrrell 006, mas só correu no Canadá, quando foi 10º colocado. A equipe desistiu do GP dos EUA em Watkins Glen, após a morte de François Cévert.

gp_espanha_1974_chris_amon_002

Em 1974, Chris Amon aproveitou o boom dos motores Ford Cosworth e encomendou um projeto de carro próprio a Gordon Fowell, que desenhou o Amon AF101, com o qual o neozelandês repetia Jack Brabham, tornando-se ao mesmo tempo piloto e construtor. Criador e criatura foram vistos em somente um único GP, o da Espanha, em Jarama, quando o piloto largou em 23º e desistiu com problemas de freio. Chris ainda se qualificou para o GP de Mônaco na 20ª posição, mas não largou em razão de falhas no distribuidor do motor.

1974chrisamonbrmaw5

Doente por ocasião do GP da Alemanha, Chris entregou o volante do carro a Larry Perkins, que não se classificou. Após mais um fracasso no GP da Itália, o Amon AF101 foi aposentado e o neozelandês conseguiu uma vaguinha na BRM. Com o monstrengo P201, chegou em 9º no GP dos EUA, em Watkins Glen.

Na Tasman Series, o piloto continuava ganhando corridas e alternando ótimos desempenhos com um sem-fim de problemas técnicos em seu carro. Após quase um ano ausente da Fórmula 1, Chris foi chamado por Morris Nunn para colaborar no desenvolvimento de um novo carro, o Ensign N175, com o qual reapareceu nos GPs da Áustria e Itália, chegando na 12ª posição em ambas as corridas.

ensign-n176

Entusiasmado com a ajuda valiosa do piloto, então com 32 anos, Morris não hesitou em oferecer-lhe um contrato e Amon fechou para correr pelo Team Ensign no Mundial de 1976. Ainda com o velho N174, chegou em oitavo lugar no GP dos EUA, em Long Beach, antes da estreia do N176, já sem o periscópio do motor que caracterizava os carros na década de 70. Com ele, Amon chegou em 5º e somou dois pontos no Mundial de Pilotos.

Nos treinos do GP da Suécia, Chris conseguiu um espantoso 3º tempo no treino oficial e andou em quarto por 37 voltas até o carro ter um problema de suspensão. Ele voltou a andar bem em Brands Hatch, com o 6º lugar no grid, abandonando a corrida com um vazamento de água. E no GP da Alemanha, após o acidente sofrido por Niki Lauda, resolveu de vontade própria abandonar o automobilismo, sendo demitido do time por Morris Nunn.

1976chrisamonwolfwilliayo6

Mas a aposentadoria não foi de todo cumprida. No fim do ano, já morando nos EUA, Walter Wolf convidou Chris Amon para guiar seu Wolf-Williams FW05 no GP do Canadá, em Mosport, e o piloto aceitou. Fez o 25º tempo no grid, mas após uma batida nos treinos, não pôde correr naquela que foi sua última aparição na Fórmula 1.

CA177StJovite021c

Em 1977, ele fez uma única aparição na série Can-Am, que regressava às pistas depois de três anos, com um Wolf-Dallara WD1. “Não gosto mais disso”, afirmou Amon – que assim deixou em definitivo as competições. Seu lugar passou a ser ocupado por um jovem canadense chamado Gilles Villeneuve, que seria posteriormente recomendado à Ferrari por… Chris Amon. Foi o último envolvimento dele com a categoria máxima.

Chris-Amon

Hoje aposentado, aos 70 anos de idade, Chris Amon curte a família e a cidade de Taupo, na Nova Zelândia, onde reside. Há alguns anos, colaborou inclusive com as obras que modernizaram o circuito que chegou a receber corridas da extinta categoria A1GP. Deixou as pistas com um currículo de 96 GPs disputados, 5 pole positions, três voltas rápidas em prova, onze pódios, 83 pontos somados, 183 voltas na liderança e 22.571 km percorridos.

Outsiders: “King” Hiro Matsushita

HIro!

RIO DE JANEIRO – A segunda personagem da série dos Outsiders deu muito o que falar no automobilismo nos anos 90. Uma geração mais recente de fãs do esporte certamente se lembra dele, de suas patacoadas, acidentes e histórias que entraram para o folclore do esporte. E será o primeiro de vários japoneses que aparecerão por aqui. Refiro-me a “King” Hiro Matsushita, herdeiro da Matsushita Electric Industrial Co., dona da marca Panasonic.

Por que seu apelido era “King” Hiro? Bem… saberemos daqui a pouco.

Nascido em 14 de março de 1961 e batizado Hiroyuki Matsushita, na cidade de Kobe, Hiro começou de forma pouco prosaica o seu contato com o esporte a motor: foi motociclista no fim da adolescência, entre 1977 e 1989. Quando tinha 25 anos, por volta de 1986 – e já com o patrocínio da Panasonic, é bom lembrar, foi correr nos EUA.

Continuar lendo